Futebol tenta ganhar tempo para evitar colapso
18 de março de 2020Nada mais será como antes depois da pandemia do coronavírus, que agora também atingiu em cheio o mundo do futebol. A Bundesliga cancelou até 2 de abril todos os jogos das duas divisões profissionais e a Federação Alemã de Futebol seguiu o mesmo caminho, ao suspender até meados de abril os campeonatos sob sua responsabilidade (3ª divisão, Futebol Feminino, ligas regionais etc.).
A suspensão temporária dos campeonatos é apenas uma tentativa de ganhar algum tempo contra o vírus. Em apenas um mês, só na Alemanha, foram registrados mais de oito mil casos de pessoas infectadas e 12 vítimas fatais (situação em 17/03, de acordo com dados do Instituto Robert Koch de controle e prevenção de doenças).
A interrupção temporária das competições visa também dar oportunidade aos dirigentes do futebol alemão de avaliar qual poderia ser a melhor forma de continuar com a temporada.
Uma coisa, porém, é certa. Ninguém acredita em sã consciência que em abril seja possível retomar os jogos da Bundesliga nos moldes normais com torcedores lotando os estádios. Vale lembrar que o governo federal já baixou medidas restritivas que atingem praticamente todos os setores do país. Uma delas é a proibição de aglomerações. Em Berlim, por exemplo, estão proibidas reuniões de qualquer tipo com mais de 50 pessoas.
Em recente reunião de dirigentes dos 36 clubes profissionais num hotel em Frankfurt, prevaleceu a ideia de que, para evitar um prejuízo previsto de aproximadamente 770 milhões de euros, o cenário ideal seria reiniciar a atual temporada daqui a três semanas, mas com portões fechados. Os assim chamados "jogos-fantasma" passariam a ser a nova normalidade do futebol alemão, pelo menos até o final da campanha 2019/2020.
O argumento para tentar levar o campeonato até o fim, mesmo sem público nas arenas, é basicamente financeiro. Caso as últimas nove rodadas das duas divisões não sejam realizadas, com encerramento abrupto dos respectivos campeonatos, o montante referente aos direitos televisivos de transmissão dos jogos deixaria de ser pago.
Só a TV desembolsa 68 milhões de euros por rodada para a Bundesliga – que, por sua vez, rateia esse valor proporcionalmente entre os clubes. É fácil concluir que, sem TV e sem patrocinadores, o futebol profissional, como o conhecemos, não sobreviverá. Nem na Alemanha, nem em nenhum lugar do mundo. Nesse caso, os primeiros clubes a serem atingidos serão os da segunda divisão, assim como os considerados "pequenos" da primeira.
Mais cedo ou mais tarde, os "grandes", como Bayern de Munique e Borussia Dortmund, além dos clubes mantidos por empresas ou empresários, como Wolfsburg (VW), Leverkusen (Bayer), Leipzig (RB) e Hoffenheim (Dietmar Hopp), também acabariam sendo atingidos pelo "ground zero" financeiro.
Números não mentem e facilmente se chega à conclusão de que, em situações de emergência, futebol sem torcida nos estádios é possível, mas futebol sem TV e patrocinadores é inviável pelas altas somas de dinheiro envolvidas.
A continuação do campeonato com portões fechados ganhou um forte aliado nesta terça-feira (17/03). A UEFA decidiu adiar a Eurocopa para junho de 2021. Desse modo, os campeonatos nacionais europeus, agora suspensos, poderão eventualmente chegar ao seu término, ainda que as partidas sejam realizadas com estádios vazios – mas, pelo menos, com transmissão de TV.
O presidente da UEFA, Aleksander Ceferin, em comunicado oficial afirmou: "A comunidade do futebol precisa, nestes tempos difíceis, demonstrar responsabilidade, união e solidariedade. A saúde de torcedores, dirigentes e jogadores tem a nossa mais alta prioridade. O adiamento da EURO 2020 implica em altos custos, mas faremos de tudo para garantir o desenvolvimento do futebol em todos os nossos 55 países-membros."
A UEFA adiou também, até segunda ordem, os jogos da Champions e da Europa League, assim como os torneios europeus de futebol feminino.
Não se pode negar que, considerando esse momento específico, foi uma decisão acertada da entidade que rege os destinos do futebol europeu. Haverá tempo para as ligas nacionais se reorganizarem com o objetivo de dar continuidade aos seus campeonatos com portões fechados.
Christian Seifert, CEO da Bundesliga, em entrevista à TV pública ARD, afirmou categoricamente que a única forma de sobrevivência do futebol alemão nas atuais circunstâncias é a realização de "jogos-fantasma" até o final da temporada.
Se pensarmos bem, Seifert tem razão. A verdade nua e crua é que, financeiramente, não é a massa torcedora frequentadora de estádios que mantém os clubes. Em média, a venda de ingressos representa, na melhor das hipóteses, 20% do faturamento anual de um clube. O grande dinheiro vem da TV, de patrocinadores e investidores.
A aposta da liga é que em fins de abril o ápice da pandemia já terá sido atingido, com tendência decrescente. Isso na teoria.
Na prática, porém, uma disseminação exponencial cada vez maior do coronavírus pelo país nos próximos meses poderá levar os planos dos cartolas ladeira abaixo. Para tanto, basta que as autoridades endureçam ainda mais as proibições de aglomerações ou que haja casos comprovados de infecção de jogadores, membros da comissão técnica e dirigentes dos clubes.
Nesse caso, não haveria outra alternativa. Seria o caso de encerrar de vez a temporada, de jogadores abrindo mão dos seus salários, dos pequenos clubes indo à falência e pedidos de ajuda governamental. É esse o cenário que a Bundesliga pretende evitar a todo custo.
Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no Twitter, Facebook e no site Bundesliga.com.br
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