Futebol chinês: sobra dinheiro, falta talento
5 de janeiro de 2017No futebol chinês, 2016 foi um ano de extremos. No começo do ano, o atacante brasileiro Alex Teixeira foi transferido para o Jiangsu Suning, da primeira divisão chinesa, por 50 milhões de euros. Meio ano depois foi a vez de Givanildo Vieira de Souza, mais conhecido como Hulk, ir para o Shanghai SIPG por 55,8 milhões de euros. Ao final de 2016, a notícia era de que o mesmo SIPG compraria o passe do meia Oscar do clube inglês Chelsea. O negócio se concretizou pelo valor de 60 milhões de euros, e o brasileiro chegou esta semana a Xangai.
Perto da virada do ano outras ofertas milionárias da China surpreenderam o mundo do futebol. O campeão mundial alemão Lukas Podolski recebeu propostas altas de dois clubes da China. O astro do futebol argentino Carlos Tevez teve seu passe comprado pela modesta quantia de quase 11 milhões de dólares pelo Shanghai Shenhua, mas deverá ganhar cerca de 38 milhões de euros por ano. No fim do ano, o agente do astro Cristiano Ronaldo, Jorge Mendes, disse que descartou uma oferta de 300 milhões de euros de um time da China. Segundo ele, Ronaldo iria ganhar mais em 100 milhões de euros por ano.
Maior público da Ásia
Os clubes chineses gastaram um total de cerca de 470 milhões de euros em transferências no ano passado, tanto quanto em 2014 e 2015 juntos. Atualmente, há 95 jogadores de 32 países na liga de futebol profissional chinesa.
O mercado do futebol e a torcida na China são grandes. A média de público nos estádios é de 24 mil, liderança folgada na Ásia. Só as transmissões ao vivo da Chinese Super League (CSL), renderam em 2016 cerca de 1,2 bilhão de euros.
O consenso geral entre agentes e consultores é que a China é um bom lugar para se ganhar muito dinheiro. Mas o futebol no país não estaria se beneficiando dessa moda. "Muitos treinadores e jogadores estrangeiros recebem propostas para fazer uma viagem de um ano à China", critica Wu Jingui, diretor esportivo do Shanghai SIPG. "Eles fecham um contrato de três anos, mas jogam apenas um ano, esperam pela transferência e continuam embolsando o salário chinês."
"Jogadores estrangeiros só querem ganhar dinheiro quando aceitam o chamado de um clube chinês", diz Shen Lei, jornalista esportivo do jornal Wenhui, de Xangai. "Quando os jogadores talentosos da América do Sul vão para a Europa, eles ganham bem e podem melhorar seu desempenho atlético. Quando não acreditam mais no seu desenvolvimento esportivo, só passa a valer o argumento do dinheiro e, então, o caminho leva à China."
Negócio deficitário
Segundo Shen, os clubes investem em jogadores de ponta, independentemente do preço de compra. A maioria dos clubes na China é de propriedade de grandes corporações. "Um clube precisa de pelo menos 30 milhões por ano. Os melhores, até mesmo 60 a 70 milhões. No entanto, eles só faturam 30 milhões de euros. Por isso, todos os clubes estão no vermelho."
Mas as empresas bancam as transações deficitárias com intuito de ganhar capital político. O homem mais poderoso da China, Xi Jinping, é fã de futebol. Embora o público não saiba por qual equipe ele torce, as autoridades esportivas fazem todo o possível para dar ao presidente do país a impressão de que estão fazendo tudo para tornar o futebol mais popular.
Mas, estatisticamente, a China é medíocre em se tratando de futebol masculino. No ranking da Fifa, o país está atualmente em posição 82 de 205, ainda atrás de países como Líbia, Burkina Faso e Trinidad e Tobago.
Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, as chances de China são ruins. A equipe não foi capaz de ganhar um único jogo, tendo perdido em casa contra a Síria, por 1 a 0, e contra o Uzbequistão, por 2 a 0. Nos últimos quatro de cinco jogos, a equipe não marcou um gol sequer. A China ocupa o último lugar de seu grupo e só tem chance teórica.
Analistas culpam estrangeiros
Comentadores esportivos culpam a forte presença de jogadores estrangeiros pelo fracasso da seleção nacional. "Clubes com jogadores estrangeiros de ponta fazem sucesso", reconhece Ji Yuyang, editor no jornal esportivo de Xangai Oriental Sport. "Mas o futebol profissional quer o sucesso rápido, em vez de investir nas próximas gerações", lamenta.
Na temporada passada, 70% dos gols na CSL foram feitos por jogadores estrangeiros, que, em chinês, são chamados literalmente de "jogadores de apoio do exterior". Entre os 10 maiores artilheiros há apenas um chinês.
Também os milhões de torcedores na China preferem assistir televisão no conforto da sala de estar climatizada, em vez de ir jogar bola com seus próprios filhos. "Entre um e dois milhões de jogadores infantis, talvez saia um Messi ou um Cristiano Ronaldo. Mas dos entre mil e dois mil jogadores chineses, jamais sairá um craque", reclama Shen. "A maioria dos torcedores chineses jamais tocou em uma bola em sua vida. A China só produziu espectadores de futebol e comentaristas. Não importa o quão alto seja o incentivo financeiro ou quanto o meio político venha a investir. Tudo isso não vai mudar a situação, a China continuará sendo um anão do futebol."