A morte colorida
1 de novembro de 2010Os alemães não celebram seus mortos em 2 de novembro, Dia de Finados, como no Brasil, mas sim na véspera, Dia de Todos os Santos. E a cada ano se registram mudanças que apontam para uma renovação da cultura funerária no país.
Rito pessoal e intransferível
Muitos dos que se dedicam ao negócio com as pompas fúnebres não se conformam com um panorama de terra opaca e pedras cinzentas, considerando, por exemplo, prados cheios de cor e fontes de águas cintilantes como locações bem mais dignas para o último descanso.
No instituto Pütz-Roth, na cidade de Bergisch-Gladbach, Fritz Roth transformou em realidade alguns desses desejos. Há 26 anos, o economista de profissão assumiu o local nas cercanias de Colônia, e há quatro anos criou a primeira funerária privada com locais dedicados à meditação, fontes, um muro de lamentações e sepulturas para urnas, projetadas segundo os desejos dos clientes. Atualmente, mais de mil pessoas estão enterradas no parque funerário na Renânia do Norte-Vestfália.
Em vez de deixar tudo em mãos do agente funerário, os familiares contam assim com o espaço adequado e o tempo suficiente para a forma de luto mais adequada. Os falecidos podem ser velados pelo período que lhes convier, o que pode ser, digamos, duas semanas em vez dos usuais quatro ou cinco dias.
Lugar para a vida
"O mais importante é que aqui não são os mortos a ocupar o primeiro plano, mas sim aqueles que têm que seguir vivendo com a perda de um ente querido. Inspiro-me no pensamento da poeta judia alemã Mascha Kaléko, que expressou isso de forma maravilhosa; 'Só se morre a própria morte. A dos demais, tem-se que viver'", cita Roth.
Sua aspiração é que os pranteadores "tomem a morte nas mãos", encontrando assim a coragem necessária para enfrentar a perda de uma pessoa próxima. "Luto é amor", acentua, "e isso é o que os familiares dos falecidos devem sentir aqui".
Na singular empresa de Roth, urnas e caixões podem ser pintados de todas as cores. Também na hora de conceber a cerimônia fúnebre, a criatividade é bem-vinda: em vez das tradicionais flores, roupa negra e discurso solene do pastor, pode haver música pop e dança e comentários improvisados, segundo o gosto e as necessidades de cada família.
Durante muito tempo, Fritz Roth foi considerado o enfant terrible da indústria funerária alemã. Hoje, porém, cada vez mais firmas seguem seu exemplo, distanciando-se das tradições nacionais e buscando formas originais para o último adeus. Alexander Helbach, da iniciativa Aeternitas, dedicada à defesa os direitos dos consumidores junto à indústria funerária, comenta:
"É notável esta nova tendência em direção a rituais com elementos que se nutrem de diversas culturas. As cerimônias não observam uma ordem tão estrita como na tradição cristã. Escuta-se menos música sacra e cada vez mais pop ou rock. Também se difunde o costume de soltar no ar balões de gás, após as pompas fúnebres".
O fim do papa-defunto
Kerstin Gernig, da Confederação dos Agentes Funerários Alemães, a que pertencem cerca de 3.500 institutos, dá uma dimensão da reviravolta cultural no setor: dos 840 mil funerais realizados a cada ano na Alemanha, cerca da metade são cremações; e nos cemitérios do país é também cada vez maior o número de columbários e de sepulturas em prados e em árvores.
Já chega a 100 o número dos friedwälder na Alemanha – bosques funerários anônimos, onde as cinzas dos mortos são simplesmente espalhadas ao pé das árvores. Acima de tudo, "os agentes funerários não são mais papa-defuntos: eles se entendem como modernos prestadores de serviços", comenta Gernig.
Helbach, da Aeternitas, acredita que as cerimônias mortuárias sejam um reflexo de outros aspectos da sociedade. "Vemos que a classe média desaparece, e assim se busca o barato e o simples". O que não significa que predominem as pompas mais econômicas: em geral, os 5 mil agentes do país ganham muito bem com o negócio. Quem enfrenta dificuldades com a multiplicação das alternativas são os administradores dos cemitérios convencionais.
Luto virtual
E enquanto os mausoléus perdem importância para as novas gerações, o luto ganha uma nova plataforma: a internet. Sites como o www.emorial.de permitem expressar a dor pessoal, tanto pelos próprios entes queridos como por VIPs como Martinho Lutero, Tony Curtis ou Jeanne-Claude (par do artista plástico Christo).
"É um bom complemento para uma sepultura, mas não a substitui", ressalva Alexander Helbach. Fritz Roth concorda, embora há anos ofereça a possibilidade de visitas virtuais ao cemitério. Em seu site, podem-se acender velas virtuais e redigir epitáfios, comentários e recordações para os que se foram.
"Assim como o amor é criativo, a dor também pode sê-lo, permitindo distanciar o fúnebre do obscuro. Dessa maneira, a cerimônia para os mortos se converte em celebração da vida" conclui o empresário de Bergisch Gladbach.
Autoria: S. Damaschke / E. López / A. Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer