Fronteira coreana tem passeio com clima de Guerra Fria
19 de outubro de 2019A Península Coreana sofreu muitas mudanças desde a década de 1950 e a Guerra da Coreia. A ironicamente denominada Zona Desmilitarizada (DMZ) é a atração mais famosa da península. Com mais de 240 quilômetros de cercas, minas terrestres, armas apontadas para qualquer um que ouse chegar perto, parece uma versão mais moderna e reforçada do Muro de Berlim.
O roteiro começa em Seul, da qual a fronteira fica a apenas uma hora de carro. A capital e maior cidade da Coreia do Sul gosta de mostrar que os tempos mudaram desde 1979, quando foi assassinado o general Park Chung-hee, que governava o país com mão de ferro.
Nos anos que se seguiram, a metrópole sediou os Jogos Olímpicos de 1988 e a Copa do Mundo de 2002. Hoje é o lar de empresas como LG e Hyundai, duas das maiores marcas de eletrônicos do mundo – tudo a curta distância da Coreia do Norte. E, no entanto, o povo de Seul quase não se incomoda com o que alguns descrevem como seu "irmão irritante" ao norte.
A Coreia do Sul lembra a posição insular de Berlim Ocidental durante a Guerra Fria. Embora não seja cercada pela Coreia do Norte, ainda é muito isolada, pois só é acessível de avião ou barco. E é bom não esquecer que nenhum tratado de paz foi assinado, o que significa que esses dois países ainda estão tecnicamente em guerra.
Apesar das histórias de horror de gente morrendo ao tentar escapar de um lado para o outro, é realmente muito fácil chegar e até atravessar a DMZ. Pelo menos na parte que não está cheia de coisas destinadas a matar. Tudo o que é preciso fazer é pagar o preço certo.
Existem vários grupos turísticos que levam os visitantes às linhas de frente do conflito coreano. Até onde se vai, depende de quanto se esteja disposto a tirar do bolso. Só olhar para a fronteira custa pelo menos 40 mil wones (30 euros). Quem quiser seguir os passos dos líderes coreanos através da DMZ, tem que desembolsar cerca de 100 mil wones (70 euros). E se as tensões políticas aumentarem, e os líderes ou soldados precisarem trocar gentilezas na fronteira, não há nenhuma excursão e tampouco reembolso.
Muitos visitantes consideram a Koridoor a empresa mais tradicional que oferece excursões à DMZ. Já o GetYourGuide oferece um diferencial: uma interessante sessão de perguntas e respostas com um desertor norte-coreano.
O ônibus pega os turistas num hotel chique do centro de Seul. Talvez como um lembrete rápido do luxo que eles estão prestes a deixar para trás. Assim que Seul desaparece no horizonte, cercas de arame farpado surgem ao longo da estrada. O guia explica que elas foram instaladas para evitar uma possível invasão.
Os habitantes do país possivelmente aprenderam a conviver com essa ameaça permanente e se acostumaram à visão dos aparatos de defesa. O momento potencial de reflexão é suavizado pelas anedotas sobre as Coreias do Norte e do Sul contadas pelo guia.
Pouco antes do principal ponto de controle de segurança da DMZ, há um centro de visitantes e um pequeno parque de diversões para as crianças e famílias brincarem, que oferece tanto frituras americanas quanto coreanas. Lá, ônibus de todas as cores e passageiros que falam as mais diversas línguas lotam o estacionamento perto das cercas militares.
Depois de alguns minutos no parque, os turistas passam por um posto de controle militar, para se aproximar da DMZ. A hora não é para brincadeiras. Compenetrados, os soldados coreanos verificam os passaportes e se certificam do número de passageiros do ônibus. Se a contagem não bate, o ônibus pode ser enviado de volta ao parque para uma recontagem e posterior rechecagem pelos militares. Mesmo lidando com gente que é claramente turista, os soldados não dão espaço para erros.
Nesse ponto, é possível ver evidências nascidas da esperança de que um dia a fronteira não passe de uma linha na areia, como é hoje o Muro que dividia a Alemanha Ocidental e Oriental há 30 anos. A estação ferroviária de Dorasan, a uma curta caminhada da fronteira, representa a visão de uma ferrovia coreana unida. Mas, por enquanto, parece estéril, exceto por um estande de bugigangas e um trem turístico diário, que traz visitantes de Seul.
O guia mantém o clima animado e calmo enquanto o ônibus vai chegando ainda mais perto da Coreia do Norte. Ele sorri ao dizer, brincando, para os passageiros apertarem os cintos de segurança, enquanto o ônibus passa ao lado de um campo minado ativo numa colina íngreme. O humor do rapaz colabora para deixar os viajantes relaxados, principalmente porque que ele obviamente fez o trajeto várias vezes antes, e está claro que não foi pelos ares.
No topo da colina, há um observatório de onde se vê a Coreia do Norte e avistar uma bem preservada cidade-fantasma do outro lado da fronteira. O falso povoado de Kijong-dong foi construído na década de 50, visando atrair sul-coreanos para desertarem e atravessarem a fronteira. Segundo observações do Sul, ela está desabitada desde sua construção, com edifícios incompletos e sem janelas.
A parada final é o Terceiro Túnel. Desde o fim de 1974, a Coreia do Sul descobriu quatro túneis cruzando a zona desmilitarizada que foram, a julgar pelas linhas de explosão, cavados pela Coreia do Norte. Pyongyang afirma que eles eram para mineração de carvão; no entanto o mineral não foi encontrado nos túneis, escavados através de granito. A tese sul-coreana é que foram planejados pela Coreia do Norte como uma rota de invasão militar.
Antes de os turistas entrarem no terceiro túnel, assistem a um filme curto sobre as estruturas. O filme parece uma peça de propaganda de Pyongyang, só que mostra os norte-coreanos como os malvados. Animação péssima, completa com explosões grosseiras sobre Seul e um tom de alegria excessiva sobre a situação ao longo da DMZ tornam a obra difícil de digerir.
Depois dessa versão sulista de propaganda norte-coreana, os turistas colocam capacetes e andam a menos de 200 metros da fronteira com a Coreia do Norte. Como essa é considerada área militar, nenhuma câmera é permitida, nem mesmo celulares. A poucos passos dos turistas, há uma cerca de arame farpado e algumas barreiras montadas pela Coreia do Norte. Na viagem de volta, os passageiros têm uma hora inteira para ouvir a história de uma desertora norte-coreana e fazer-lhe perguntas.
Após contar sua vida, ela afirma que, ao começar a fazer visitas guiadas, ficava nervosa e chorava quando o ônibus se aproximava da fronteira. Mas agora sabe que está segura, que ninguém a levará embora, e fica muito mais à vontade em viajar com grupos turísticos até a DMZ.
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