Frente Nacional pode sair perdendo com política islamofóbica
14 de janeiro de 2015Enquanto o slogan "Je suis Charlie" dominava as faixas nas ruas, tweets e até camisetas, Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen e fundador do partido Frente Nacional (FN), rebatia: "Não sou Charlie." E classificava os apoiadores do semanário francês como palhaços.
Desde sua fundação, mais de quatro décadas atrás, a FN tem trilhado seu caminho sozinha, isolada da política mainstream e fazendo pouco dela. No entanto, sua retórica anti-imigração tem encontrado ressonância junto a milhões de franceses – embora poucos admitam publicamente votar na legenda.
A FN parece mais solitária do que nunca, num momento em que a nação multiétnica e multiconfessional oferece uma rara exibição de solidariedade, após a série de ataques que fez 17 vítimas.
Porém, na medida em que passa a fase de luto, e se levantam questões sobre lapsos de segurança e a ascensão do fundamentalismo islâmico de fabricação nacional, pode ser que o discurso radical da Frente acabe prevalecendo.
Para Madani Cheurfa, secretário-geral do centro parisiense de pesquisas políticas Cevipof, a Frente Nacional errou em sua estratégia. Segundo ele, Marine Le Pen subestimou as dimensões da mobilização, especialmente a diversidade da opinião política.
"A FN é, por outro lado, esperta em seu discurso sobre lei e ordem e islamofobia, que pode vir a ressoar depois desse tipo de evento", opina.
Um teste inicial para a estratégia da FN foi nesta quarta-feira (15/01), quando chegou às bancas a primeira edição do Charlie Hebdo desde o atentado em sua redação. A desafiadora caricatura do profeta Maomé em sua capa voltou a despertar a ira da comunidade muçulmana na França e no exterior. Líderes religiosos vêm apelando aos 5 milhões de fiéis no país para que mantenham a calma.
Um segundo teste para a Frente vem em março, quando a França realiza eleições regionais. Para além da segurança e a imigração, há questões quotidianas em jogo.
"O pleito chega num contexto econômico e social muito difícil, com um nível histórico de desemprego", aponta Cheurfa. Foram esses tópicos que, justamente, colocaram o governo socialista francês em dificuldades e impulsionaram a FN nas pesquisas de opinião.
Virada esperta na FN
Marine Le Pen justificou sua ausência na manifestação em Paris dizendo ter sido rejeitada pela política estabelecida – embora o convite do presidente François Hollande tenha se dirigido a "todos os cidadãos". E também partiu para a ofensiva, ao sugerir que o governo socialista estaria falhando em prover liderança forte, no momento em que é mais necessário.
Ao contrário de seu beligerante pai, Jean-Marie Le Pen, que alega ter perdido o olho numa briga, a política de 46 anos tempera suas mensagens populistas com argumentos refinados pela formação de advogada.
"Acho que o que os franceses estão esperando [...] é ação, não só se reunir em luto", declarou a política populista em entrevista à rádio Europe 1. "Este é o momento para fazer perguntas: valores franceses foram atacados. É tempo de perguntar: como isso pode ter acontecido? O que deu errado?"
Depois de assumir a presidência do partido em 2011, sendo reeleita por unanimidade em dezembro último, Marine Le Pen tem tentado abrandar a imagem da Frente Nacional. Seus esforços compensaram: após um período de declínio, o partido se recuperou sob sua liderança, conquistando 25% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio de 2014.
Nos últimos dias, Le Pen tem responsabilizado os extremistas islâmicos e uma política interna falha pelos atentados recentes, mas tendo o cuidado de não culpar os muçulmanos moderados.
"Abrir nossas fronteiras nacionais será a maneira certa de controlar o fundamentalismo?", perguntou ao Parlamento Europeu em Estrasburgo, na segunda-feira. "Não foram as políticas de austeridade que enfraqueceram nossa capacidade de responder? Ou o desarmamento de nossa polícia e nossos exércitos?"
Le Pen não está só
Para o analista Madani Cheurfa, o discurso cauteloso da direitista é parte de sua estratégia de respeitabilidade e de combater a "demonização" da Frente Nacional, para que as pessoas a considerem como qualquer outro partido.
"Pois, ao contrário do pai, ela quer estar no poder. E recusar generalizações sobre todos os muçulmanos – ao mesmo tempo em que aponta as dificuldades que eles têm em se integrar aqui – é tudo parte da estratégia dela", analisa o secretário-geral do Cevipof.
Abdallah Zekri, presidente do Observatório Nacional de Islamofobia, não hesita em criticar a líder da FN. Mas, sublinha, ela não está sozinha. "Não é só Marine Le Pen. Nós a conhecemos. O que nos choca são os outros, os partidos tradicionais, os da direita clássica, que adotaram o mesmo discurso sobre o islã para conseguir votos e vencer eleições."
Essa retórica atrai franceses como Francklin Boulot, que participou da passeata do domingo em Paris – não em apoio à diversidade, mas para protestar contra o islã.
"Tenho medo do islã, ele quer destruir a nossa sociedade", comentou enquanto uma gigantesca multidão esperava para desfilar na Praça da República. "É a religião que está fazendo de tudo para nos matar."
Enquanto isso, numa reunião diferente, fora da capital francesa – o funeral de um policial muçulmano morto nos tiroteios do Charlie Hebdo –, o contador Robert Lobe propunha uma abordagem diversa:
"Não importa o que seja, sempre haverá gente imbecil tentando tirar vantagem da situação. A melhor resposta é não prestar atenção neles."