França vai avançar reforma da Previdência por decreto
1 de março de 2020O governo da França anunciou uma manobra para fazer avançar sua controversa reforma da Previdência – considerada a mais importante proposta de governo do presidente Emmanuel Macron – sem necessidade de aval do Parlamento, gerando revolta entre alguns legisladores.
O primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, afirmou neste sábado (29/02) que o governo vai avançar com a reforma por meio de um decreto, evitando uma votação parlamentar.
Segundo o premiê, a medida será tomada para contornar o Legislativo depois de a oposição ter apresentado mais de 40 mil emendas à proposta na tentativa de impedir sua aprovação. A decisão não "visa pôr fim ao debate, mas encerrar esse período de não debate", declarou.
Desde que foi anunciado pelo governo Macron em dezembro passado, o projeto da reforma da Previdência provocou protestos intensos e greves generalizadas no país.
O governo recorrerá ao artigo 43, parágrafo terceiro da Constituição, que permite que um texto legislativo seja aprovado na Assembleia Nacional (Parlamento francês) sem votação, a menos que os deputados apresentem uma moção de censura dentro de 24 horas – o que uma série de partidos já se movimentou para fazer.
Até hoje, a cláusula constitucional invocada pelo governo foi muito pouco adotada: desde a criação da Quinta República francesa, em 1958, a medida foi usada menos de 100 vezes.
A última vez foi em 2016. Na ocasião, o então primeiro-ministro, Manuel Valls, recorreu à medida para aprovar a polêmica reforma trabalhista, que também provocou protestos nas ruas.
O lento progresso da reforma previdenciária no Parlamento vinha frustrando o governo francês. "Após mais de 115 horas de debates em público, durante dias e noites, inclusive nos finais de semana, a Assembleia Nacional chegou ao artigo oito de um projeto de lei comum que tem 65 artigos", afirmou Philippe, diante de deputados no Parlamento no sábado à noite.
O premiê disse que o comitê especial interpartidário criado para examinar as mais de 40 mil emendas mostrou "perseverança", mas que estava na hora de interromper a "estratégia deliberada de obstrução realizada por uma minoria". "Não creio que a nossa democracia possa permitir tal espectáculo."
A decisão provocou uma onda de desaprovação por parte dos legisladores da oposição. Alguns acusaram Philippe de tentar fazer avançar a contestada reforma da Previdência de Macron enquanto a atenção do público se concentra na crise do coronavírus.
Neste sábado, o governo proibiu eventos com mais de 5 mil pessoas em lugares fechados e grandes aglomerações ao ar livre, como medida de precaução devido à expansão do surto de Sars-CoV-2 – o que dificulta planos de grandes protestos contra a reforma da Previdência.
Legisladores da oposição lutam para tentar impedir a invocação da cláusula, que consideram antidemocrática. Mas seus esforços para organizar um voto de censura parecem fadados ao fracasso, já que o governo de Philippe possui uma maioria parlamentar confortável para derrubar a moção.
Três partidos de esquerda da Assembleia Nacional apresentaram no sábado uma moção de censura, pouco depois de os conservadores da oposição fazerem um anúncio semelhante.
O Partido Socialista, a França Insubmissa e o Partido Comunista, junto com a deputada Jennifer de Temmerman, ex-integrante da República em Marcha, apresentaram a moção contra "um governo que pisa no processo parlamentar".
Para que seja tramitada, uma moção de censura requer o apoio de 58 deputados, e essa foi apoiada por 63, logo após o anúncio da moção independente dos conservadores Os Republicanos.
A oposição contava com 24 horas desde o anúncio feito pelo primeiro-ministro. Uma vez apresentada, haverá um prazo de 48 horas para que a moção seja votada. Caso não seja, o projeto de lei da reforma da Previdência será aprovado de forma automática na Assembleia Nacional.
Reformar o sistema de aposentadorias francês é uma das prioridades do presidente Macron. Mas os planos do governo desencadearam enormes protestos nas ruas e a maior greve de transportes da França em décadas.
As mudanças acabariam com regimes específicos de aposentadoria, nos quais certos trabalhadores, como ferroviários, podem se aposentar mais cedo, e estabeleceriam um sistema universal de pensões. Macron queria elevar a idade da aposentadoria completa em dois anos para 64, mas suavizou a medida após as greves, que começaram no início de dezembro e duraram seis semanas.
EK/ap/dpa/efe/rtr
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