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TerrorismoFrança

França começa a julgar acusados por ataque ao Bataclan

8 de setembro de 2021

Atentados terroristas mataram 130 pessoas em casa de shows e em outros locais de Paris. "Não acho que a ferida irá cicatrizar um dia", diz sobrevivente.

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Pessoas prestam homenagem em frente ao Bataclan
Pontos boêmios da capital francesa foram atacados por terroristas em novembro de 2015Foto: Christophe Archambault/REUTERS

Desde o dia 13 de novembro de 2015, o francês Sebastien Dauzet se sente vulnerável. Naquela noite, nove homem armados atacaram o que ele considera ser o coração de seu bairro.

Os terroristas mataram 130 pessoas em atentados no estádio Stade de France, na casa de shows Bataclan e em outros bares em Paris, no ataque terrorista mais sangrento na França desde a Segunda Guerra Mundial.

Dauzet tinha acabado de começar a trabalhar como barman no La Bonne Biere, no bairro alvo dos ataques. Naquela noite, o restaurante tornou-se uma zona de guerra.

"De repente, todo mundo estava correndo"

"Às 21h30 daquela noite, achei que estava ouvindo rojões – não entendi o que estava acontecendo", disse o homem de 41 anos à DW, em frente ao bar onde não trabalha mais.

Ele aponta para o salão e a varanda. "De repente, todo mundo estava correndo. Um homem que havia sido atingido na perna estava tentando subir as escadas para lá."

"Olhei para fora e vi os criminosos disparando seus Kalashnikovs. Era como num filme. Joguei-me no chão e fiquei lá por um tempo", relembra.

Retorno difícil

A dois quilômetros dali, terroristas tinham começado a atirar em pessoas que estavam no bar La Belle Equipe.

"Tenho um amigo italiano, Fil, cuja namorada mexicana estava em uma festa de aniversário lá. Ele havia a pedido em casamento dois meses antes", conta, na calçada em frente ao La Belle Equipe. "Ela foi morta no ataque", diz.

Dauzet atravessa a rua e para em frente a uma placa em homenagem às vítimas, que também tem o nome de Michelli, a então namorada de seu amigo.

"Ela era um anjo. Era bonita, inteligente, gentil. Ainda sentimos saudades dela", diz, com lágrimas nos olhos.

Sebastien Dauzet, que presenciou os ataques, observa placa em homenagem às vítimas
Sebastien Dauzet, que presenciou os ataques, observa placa em homenagem às vítimasFoto: DW

Megajulgamento

A Justiça francesa iniciou nesta quarta-feira (08/09) um julgamento para tentar responsabilizar 20 pessoas por esses ataques brutais.

Apenas um dos réus, Salah Abdeslam, é acusado de ter se envolvido diretamente nos ataques, ao transportar os terroristas aos locais dos crimes e participar da fabricação de explosivos. Os outros 19, alguns dos quais estão desaparecidos ou mortos, são acusados de terem planejado e organizado os ataques ou de terem apoiado os terroristas.

O julgamento deve durar pelo menos nove meses, e envolve 1.800 assistentes de acusação civis e mais de 300 advogados.

Thierry, que tem 56 anos e prefere não ter seu sobrenome divulgado, é um desses assistentes de acusação, que atuam ao lado do Ministério Público contra os réus.

Cicatrizes psicológicas profundas

Ele sobreviveu ao ataque no Bataclan escondendo-se durante horas em um vestiário, com outras pessoas, enquanto três homens armados massacraram 90 pessoas durante um show. A banda Eagles of Death Metal estava se apresentando no palco.

"Quando os policiais finalmente nos resgataram, nos escoltaram até a porta principal. Olhei e vi diversos corpos estendidos no chão ali, no canto dos fumantes", diz, enquanto aponta para uma parte da calçada em frente à casa de shows.

Thierry em rua de Paris
Thierry estava na casa de shows durante o ataque, e até hoje sonha que está enfrentando terroristasFoto: Lisa Louis/DW

O vendedor, que trabalha no setor de turismo, acha que ele teve sorte. Mas, por trás de seu sorriso, permanecem cicatrizes profundas.

"Não acho que a ferida irá cicatrizar um dia", diz. "Assim que você encontra um problema no cotidiano, o trauma volta. E durmo muito pouco, fico acordando. Toda noite, sonho que estou com uma arma enfrentando terrorista, para salvar vidas."

Ele afirma que o julgamento do caso provavelmente não mudará isso. "Claro, irei testemunhar. Também porque o julgamento será gravado para os arquivos e futuras gerações", diz. Mas ele não espera nada grandioso.

"Os réus não irão chorar ou pedir desculpas. Ele somente irão pagar pelo que fizeram, e espero que peguem penas altas."

Alguns sobreviventes têm "expectativas demais"

Nem todos os sobreviventes serão capazes de administrar suas expectativas como Thierry, avalia a psiquiatra Delphine Morali. Ela trabalha no centro de psicotrauma no Instituto para Vitimologia em Paris, onde uma unidade de crise foi criada logo após os ataques. Morali ainda tem cerca de 20 sobreviventes entre seus pacientes.

"Alguns deles continuam a ter dificuldades para viver uma vida normal", explica. Alguns, como Thierry, "ainda estão sofrendo sintomas como hipervigilância e insônia."

"Alguns sobreviventes têm expectativas demais sobre esse julgamento", afirma. "É um passo importante, para que a dor provocada seja reconhecida, que os criminosos sejam punidos, mas somente isso não será suficiente para se recuperarem do trauma."

Ela diz que muitos permanecem com um sentimento difuso de insegurança, já que outros ataques terroristas ocorreram desde então. Ao todo, mais de 250 pessoas foram mortas por terroristas na França desde 2015.

Morali também aponta que a maior parte dos terroristas dos ataques de novembro de 2015 estão mortos. "Eles não serão punidos, e isso cria um sentimento de frustração", diz.

Advogados em Corte francesa
Julgamento vai durar pelo menos nove meses e envolve mais de 300 advogadosFoto: Thibault Camus/AP/picture alliance

Ausência dolorida

De fato, Matthieu Mauduit prevê que poderá ficar decepcionado com o julgamento. Seu irmão, Cedric, foi morto no ataque do Bataclan, aos 41 anos. Mauduit diz sentir que uma parte de sua vida está faltando.

"Continuo a tomar antidepressivos, e não há um dia no qual não pense nele", afirma. Ele diz que deve, ao seu irmão, ser um dos assistentes de acusação durante o julgamento.

"Realmente espero que tenhamos algumas respostas, mas estou tentando não criar falsas expectativas. Os acusados certamente não pedirão desculpas, já que eles estão imersos em seu fanatismo e nem sequer reconhecem nosso sistema de Justiça", diz.

Mantendo certa distância

Já o barman Dauzet decidiu que irá acompanhar o julgamento de longe. "Não acho que participar seria bom para mim. Além disso, já há assistentes da acusação em número suficiente", diz.

Dauzet tinha planejado ir ao Bataclan naquela noite de novembro de 2015 com sua então namorada, que também trabalhava em um bar. Mas nenhum deles conseguiu tirar folga naquele dia.

Enquanto ele observa a placa em homenagem às vítimas na calçada em frente à casa de shows, uma nova reflexão surge. "Acabei de perceber que meu nome poderia estar escrito ali também, e isso realmente dói", diz.

Dauzet planeja se mudar em breve para o interior, para deixar a cidade e suas lembranças perturbadoras para trás.