Filhos "roubados" da ditadura argentina lutam com o passado
31 de março de 2013Quando seus filhos nasceram – primeiro uma menina, depois um menino – Guillermo Pérez Roisinblit foi confrontado com seu próprio passado. Ver os recém-nascidos, lembra o argentino de 34 anos, fez com que ele percebesse como era indefeso quando foi levado pelos militares. "Chorei porque não sei se meu pai teve a sorte de me segurar em seus braços", conta. Até hoje, ele não sabe o paradeiro exato do pai e da mãe.
Guillermo é um dos cerca de 500 argentinos que nasceram nas prisões da ditadura militar (1976-83). Muitos dos pais dessas crianças teriam morrido nos chamados "voos da morte", em que presos políticos eram jogados – muitas vezes ainda vivos – no mar ou no Rio da Prata.
Os militares tentaram apagar qualquer vestígio do paradeiro e da ascendência dos bebês. Mas, de alguma forma, subestimaram a incessante busca da família das vítimas pelos filhos e netos desaparecidos. Essa é, até hoje, a batalha de Rosa Tarlovsky de Roisinblit, avó de Guillermo e vice-presidente da associação Avós da Praça de Maio.
"Os militares provavelmente nunca imaginaram que duraríamos tanto tempo. Até agora, foram 35 anos", diz Rosa, em tom firme e orgulhoso. "Eles diziam: deixe essas velhas tomarem as ruas. Em algumas semanas, elas desistem e vão para casa chorar".
Durante a ditadura, o grupo desafiava a ameaça dos militares com reuniões secretas. Em cafés e praças, elas bebiam mate e trocavam folhas de papel, conversando em código sobre os filhos, netos e seus perseguidores. E, após a redemocratização, mantiveram uma oposição veemente às leis de anistia implementadas.
Em junho do ano passado, após 14 anos de processo, foram condenados os ex-ditadores Jorge Videla e Reynaldo Bignone pelo roubo sistemático de crianças. Nos últimos anos do julgamento, os "pais" das crianças roubadas sentaram no banco dos réus – frequentemente casais dos círculos militares, que cuidaram dos bebês como seus próprios filhos sem chamar a atenção.
Irmão perdido
Foi a irmã mais velha de Guillermo, Marina, que atendeu o telefone quando, em abril de 2000, uma ligação anônima ao escritório da avó dela relatou o nome de uma criança possivelmente roubada. A criança, soube-se depois, já tinha então 21 anos, chamava-se Guillermo e apresentava notável semelhança com as fotos dos pais desaparecidos de Marina. Um teste de DNA com material do banco de dados dos genes dos avós confirmou a suspeita: os dois eram irmãos. Guillermo passou então a tentar recuperar os "anos perdidos" junto à família biológica.
Assim, começou o julgamento das duas pessoas que ele, durante sua vida inteira, chamou de pais. O homem que o criou como filho era da Força Aérea – uma pessoa violenta que abandonou a mulher, como conta Guillermo. Porém, seu sentimento em relação à mãe de criação é diferente.
"Ela foi a pessoa que cuidou de mim quando eu estava doente, que cozinhava para mim, que me criou. Sinto compaixão por essa mulher e ela foi acusada pela minha própria avó em um tribunal – por isso me afastei por um tempo da minha família biológica", explica.
O casal foi condenado a sete anos de prisão, uma sentença branda em comparação a recentes condenações.
O papel da Igreja
Mais de cem crianças desaparecidas foram localizadas depois que as Avós da Praça de Maio começaram a busca: através de denúncias anônimas, como no caso de Guillermo, ou porque as pessoas questionavam sua própria história e procuravam a associação. O movimento das vítimas e suas demandas em esclarecer os crimes no período da ditadura são particularmente fortes e assertivos no país.
Outro ponto importante no caso é que a Argentina é uma exceção negativa: "Em muitos países da América Latina, a Igreja Católica defendeu ativamente a proteção dos direitos humanos, protegendo políticos de oposição. Na Argentina, alguns setores da Igreja cooperaram abertamente com os militares", diz Detlef Nolte, do Instituto GIGA de Hamburgo.
Os rastros das crianças desaparecidas levam a ambientes relacionados à Igreja Católica. O tribunal criminal de Buenos Aires investigou de perto o Movimento Familiar Cristão (MFC), uma organização relacionada à Igreja suspeita de fazer a conexão entre os bebês nascidos nos presídios e as famílias de militares.
Guillermo não sabe ao certo o que aconteceu logo após seu nascimento: "Eu só sei que fui aceito pelo meu suposto pai e levado por sua mulher", conta. Ele ainda tem questões a serem resolvidas, como, por exemplo, as razões que o levaram a se distanciar de sua mãe de criação após o julgamento, que ele descreve como uma "grande mentira". Agora, Guillermo também tem seus próprios filhos – os primeiros membros de sua família que entraram em sua vida de forma convencional.