Filho de Kadafi retorna à política líbia: ele pode vencer?
16 de novembro de 2021O filho do ex-ditador líbio, Muammar Kadafi, fez seu retorno oficial ao cenário político do país. No último domingo (14/11), Saif al-Islam Kadafi apresentou sua candidatura para as próximas eleições presidenciais da Líbia, no escritório das autoridades eleitorais na cidade de Sabha.
As eleições devem ser realizadas em 24 de dezembro deste ano.
O pai de Saif al-Islam governou a Líbia por 42 anos, até que seu regime foi derrubado por uma revolução no final de 2011. Muammar Kadafi era conhecido por sua excentricidade e brutalidade e foi morto por seus oponentes em outubro daquele ano. Dos sete filhos de Muammar, três foram mortos após a revolução, que se transformou em uma violenta guerra civil.
Pouco depois da revolta que derrubou o regime de Kadafi, Saif al-Islam, que é o segundo filho mais velho de Muammar, foi preso por milícias tribais em Zintan, no noroeste da Líbia. Ele foi libertado em 2017, e pensava-se que o homem de 49 anos ainda vivia entre os que o haviam capturado. Em 2015, ele foi condenado à morte à revelia por seu envolvimento com o antigo regime, mas o veredito foi anulado em 2016. O Tribunal Penal Internacional também tem um mandado de prisão pendente contra ele por crimes contra a humanidade cometidos em 2011.
Retorno ao poder
Embora possa parecer surpreendente para os que estão fora da Líbia que um Kadafi possa voltar à política, observadores experientes do país dizem que Saif al-Islam tem chance de chegar ao poder, devido principalmente à fragmentação crescente da cena política local.
No passado recente, as várias facções do país eram mais facilmente classificáveis. Em 2011, elas eram pró-revolucionárias ou pró-Kadafi. Nos últimos anos, quando a guerra civil eclodiu, podiam ser divididas em facções orientais ou ocidentais, já que os dois maiores grupos que lutavam pelo controle do país tinham suas bases nos dois extremos da nação.
Mas agora, como Tim Eaton, pesquisador sênior da Chatham House, disse à DW, "não há nenhum ator ou grupo que possa claramente dominar a cena política líbia".
"Tornou-se muito complicado e muito localizado. É como um jogo de xadrez 3D com diferentes líderes e redes tentando forjar alianças, ou talvez trabalhando em certos temas em conjunto, mas de forma limitada", aponta.
A candidatura de Saif al-Islam deve complicar ainda mais as coisas. "Até agora, sua candidatura não resultou em nada além de confusão, levando todos os jogadores regionais e internacionais a reorganizarem suas cartas", disse Abdullah al-Kabir, um analista político líbio. "Na verdade, isso só complicará ainda mais o processo político na Líbia. Não espero que as eleições sejam realizadas no tempo previsto."
Herdeiro do ditador
"Acho que certamente terá um enorme impacto no cenário político, e as alianças vão mudar muito", disse Mohamed Omar Dorda, um dos cofundadores da consultoria Libya Desk, que trabalhou com think tanks alemães, incluindo as fundações Konrad Adenauer e Friedrich Ebert, e tem acesso a fontes pelo país e do regime anterior. "Isso forçará todos a pensar de forma diferente, especialmente os partidos de apenas um líder."
A lista de outros potenciais candidatos à presidência também inclui o comandante militar rebelde Khalifa Haftar, o primeiro-ministro interino Abdul Hamid Dbeibah e o presidente do parlamento, Aguila Saleh.
"Ele [Saif al-Islam] é visto como o legítimo herdeiro do antigo regime", observou al-Kabir. Alguns analistas sugerem que até um terço dos eleitores possam apoiar o regime anterior. Esse grupo é chamado de "Verdes", pelo fato de Muammar Kadafi ter escolhido a cor verde para a bandeira líbia em 1977.
Nas redes sociais, usuários apontaram que a roupa que Saif al-Islam vestiu para ir ao escritório eleitoral era quase exatamente igual à que seu pai vestia quando fez um discurso agressivo logo após o início da revolta contra o seu regime, no qual ele se recusou a entregar o poder.
Como resultado da percepção pública de Saif al-Islam como herdeiro de Kadafi, o comandante militar Khalifa Haftar, que declarou sua candidatura na terça-feira, poderia perder o apoio. Alguns de seus atuais apoiadores permanecem leais à família Kadafi e podem romper com ele para apoiar Saif al-Islam, disse al-Kabir.
Interferência estrangeira
Diversas nações se envolveram cada vez mais no conflito líbio na última década, incluindo Turquia, Egito, Rússia, os Emirados Árabes Unidos e o Catar, todos seguindo seus próprios interesses no país rico em petróleo, e já enviaram em algum momento mercenários para combater em seu nome. Todos também apoiam certos candidatos nas próximas eleições.
Haftar tem apoio da Rússia, do Egito e dos Emirados Árabes Unidos. Mas Saif al-Islam também tem apoio russo, o qual, segundo rumores, teria sido buscado durante uma viagem a Damasco neste ano. Esse cenário envia Haftar mais para o final da fila, disse al-Khatib, e permite aos russos diversificar suas apostas enquanto tentam manter a influência sobre a Líbia.
Mas será que ele pode vencer?
Apesar de sua torpeza, em alguns aspectos a nova candidatura Kadafi pode ser bem-vinda. Se sua candidatura não for rejeitada e ele fizer campanha, os eleitores líbios poderão ter uma ideia do conteúdo dos planos que ele venha a ter.
Dorda também acredita que a candidatura de Saif al-Islam é uma maneira de o país reconhecer a realidade desconfortável de que alguns eleitores líbios ainda apoiam o regime anterior.
Se ele poderia vencer ou não ainda é uma questão em aberto. "O discurso comum é de que a frustração popular com o caos da Líbia pós-2011 seria suficiente para inspirar uma onda de apoio [entre os Verdes] a Saif", escreveu em setembro Jalel Harchaoui, membro sênior especializado em Líbia da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, em um artigo para o New Lines Institute for Strategy and Policy, sediado em Washington.
"Essa suposição é irreal", disse Harchaoui, mencionando que as vítimas e oponentes da família ditatorial não se esqueceram de que Saif al-Islam ficou ao lado do pai em 2011, e que os apoiadores da família Kadafi ainda culpam suas tendências liberais do passado por terem levado à possibilidade de revolução no país.