Festival debaixo de cobertores
8 de fevereiro de 2004O Festival de Cinema de Berlim, do ponto de vista geográfico, é o mais nórdico entre as mostras Classe A. Esta localização no mapa acaba surtindo menos efeito no programa do que na atmosfera do evento. Já em 1978, o então diretor da Berlinale transferia o festival do verão europeu para o gélido fevereiro.
A decisão foi sensata do ponto de vista econômico (nenhum outro festival europeu de grande porte acontece no inverno), mas a que preço? Berlim, em fevereiro, é extremamente fria. Por isso, a Berlinale (nome oficial do festival) é um evento que acontece dentro de casa - longe das passarelas públicas, mas, em compensação, no aconchego "dos cobertores".
Até chegar lá, no entanto, há um longo caminho. O primeiro obstáculo é a escolha dos filmes, ou seja, a confecção da lista de favoritos. Por sorte, a revista do festival ajuda, com descrições detalhadas. O berlinense interessado opta então por uma das várias "ilhas de café latte" ao seu redor, onde, ao fazer sua lista de filmes prediletos, expõe a quem quer que seja seu "currículo cinematográfico" recém adquirido.
Exatamente aí começa, para muitos, a frustração. Percebe-se, então, que o acesso a eventos classe A não passa de uma ilusão. Sendo assim, só resta uma esperança: soltar, como bom fã, gritinhos histéricos frente às estrelas que desfilam sobre os tapetes vermelhos do Berlinale Palast.
Filas quilométricas a la socialismo real
A compra dos ingressos não deixa de ser uma tortura. Com programa e caneta na mão, vai-se até uma das bilheterias do festival. A reação frente às filas quilométricas a la socialismo real é de desespero. Com a posição número 128 na fila, toma-se um belo chá de cadeira. Em pé.
Antes disso, diga-se de passagem, a neve começa a derreter e gotinhas penetram lentamente nos sapatos, deixando bordas brancas nada estéticas sobre o couro. No mais tardar neste momento, chega a hora de pensar em colocar os pés no chão. Desta vez, não no sentido literal.
A funcionária da bilheteria sai, então, de seu casulo, e risca com um pincel vermelho vários títulos da lista de filmes. Ingressos esgotados. Durante uma espera realativamente normal, isso ainda acontece algumas vezes. Quando se chega, enfim, ao guichê, a mesma funcionária sai mais uma vez e elimina o último dos filmes que pertenciam à lista de favoritos.
Ter esperado em vão, nem pensar. Assim sendo, pega-se qualquer entrada para um B-movie, que vem a deixar mais tarde a pergunta no ar: por que este filme atraiu tantos espectadores? Até que se reconhece, aqui e ali, outros "colegas de fila". Querendo ver tudo com bons olhos, pode-se dizer até que esse princípio da espera infinita carrega consigo uma boa dose de paquera - e, desta forma, previsões de cinema sob os cobertores.
Nível mais alto em Weimar?
E como bom morador de metrópole com espírito missionário, convida-se, com prazer, amigos da província para o grande acontecimento cinematográfico na capital. O que pode dar completamente errado. Em função das razões descritas acima, só foi possível conseguir entradas para um filme de lésbicas fantasiadas de pirata - que, segundo dizem, deve ser muito bom.
E assim leva-se a visita de Weimar - uma cidade que não se caracteriza precisamente pela pobreza cultural - a uma sessão do Festival de Cinema de Berlim. Ali, ele tem a oportunidade de conhecer um gender film e ver mulheres barbadas e com bigodes nada suaves, crescidos às custas de boas doses de hormônio.
Diante de um som que deixa a desejar e ouvindo a monotonia do ruído do ar condicionado, o sono é inevitável. Depois dos créditos finais, pergunta-se, cuidadosamente, ao não berlinense, o que ele achou. A resposta vem com orgulho: "No festival de cinema dos estudantes da Universidade de Weimar, o júri não teria aceitado isso". Ui!