Cinema
27 de agosto de 2008O Festival de Cinema de Veneza, que vai até o próximo 6 de setembro, é o mais antigo entre as grandes vitrines internacionais do cinema. O festival comemora este ano seu 65° aniversário, passando por uma dificuldade que já se arrasta há alguns anos: a de se afirmar entre os dois grandes concorrentes – Berlim e Cannes.
A suposta "falta de rosto" de Veneza nos últimos anos se dá em função de uma oscilação constante entre filmes de autor e blockbusters hollywoodianos. Um mal que vem acometendo cada vez mais os grandes festivais de cinema.
De tudo um pouco
O ano 2008 poderia ter sido de grande triunfo de Marco Müller: o diretor assinou com Veneza o contrato de mais longo prazo da história do festival. Ele deverá se manter à frente da mostra por mais quatro anos. Isso num momento em que o Estado italiano deu o aval para a construção de uma nova sede, um palazzo que deverá deixar os concorrentes Cannes e Berlim de queixo caído.
Ou seja, há tudo para que Veneza seja um sucesso: um pouco de Hollywood, uma colher de chá para o cinema europeu de autor, duas mostras competitivas e muitos filmes asiáticos, que não podem faltar numa mostra dirigida pelo sinólogo Marco Müller. E Burn after reading, dos irmãos Cohen, para abrir o festival com a presença das estrelas George Clooney, Brad Pitt, John Malcovich e Tilda Swinton.
Ecos da greve dos roteiristas
Mas nem tudo tem happy end em Veneza: a greve dos roteiristas nos EUA provocou atraso em várias produções norte-americanas, prejudicando a programação do festival, afirma Müller. Muitos desses "atrasados" irão parar certamente em Berlim, o próximo festival "classe A", que transcorre em fevereiro de 2009.
Outra "peculiaridade" deste ano em Veneza está no alto número de contribuições italianas: uma conseqüência da intromissão da política do país na escolha dos filmes, afirmam as más línguas.
Depois de quatro anos sem filmes alemães, Veneza exibe na competição deste ano Jerichow, de Christian Petzold, a história de um triângulo amoroso, passada no norte alemão. Também do veterano Werner Schroeter participa da mostra competitiva Nuit de chien, rodado na Alemanha, França e Portugal e falado em francês.
Bressane e Zé do Caixão
Entre os brasileiros presentes está A erva do rato, de Julio Bressane e Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins (Zé do Caixão). Além do curta Do visível ao invisível, rodado por ninguém menos que o cineasta português Manoel de Oliveira (hoje com 99 anos), em São Paulo.
Na mostra competitiva, há duas co-produções brasileiras, ambas com imagens feitas no país: BirdWatchers, do chileno Marco Bechis, e Plastic City, dirigido pelo chinês Yu Lik-wai sobre guerras entre bandos de criminosos, rodado em São Paulo com atores brasileiros e chineses.
A babel de idiomas e o grande número de co-produções internacionais marcam o festival deste ano: na tela fala-se árabe, mandarim, aramaico. E até chinês nas ruas de São Paulo. Isso, sem contar a incursão do diretor Barbet Schroeder (francês nascido no Irã e radicado nos EUA) por uma história de detetives que se passa no Japão. Interseções culturais que, sem dúvida, estão relacionadas à biografia do diretor Marco Müller.
"Um pé no Brasil"
Nascido em Roma em 1953, Müller é filho de pai suíço de língua italiana e mãe brasileira de origem ítalo-grega. Depois de estudar Antropologia na Itália, concluiu seu doutorado na China. No fim da década de 1970 e início da de 1980, trabalhou como pesquisador nas áreas de etnologia musical e antropologia visual. A partir de então, passou a se dedicar à crítica de cinema, tendo publicado diversos ensaios afins em periódicos italianos, franceses, holandeses e suíços.
Marco Müller é autor de diversas publicações sobre história do cinema na Itália, França e Espanha e de uma série de documentários sobre a sétima arte. Após dirigir os festivais de Roterdã e posteriormente Locarno por quase dez anos, ele assumiu a direção em Veneza. (js / sv)