Festival homenageia Claude Lanzmann
14 de fevereiro de 2013Claude Lanzmann nasceu em Paris, em 1925, filho de pais judeus. Ainda criança, quando aluno do Lycée Condorcet, viveu o antissemitismo do pré-Guerra na própria pele. Mais tarde, seu pai, um vetereno da Primeira Guerra Mundial, ensinaria ao jovem Claude e a seus dois irmãos, na Resistência francesa, as principais regras do combate aos ocupadores alemães, sobretudo uma saudável desconfiança e um "pessimismo ativo", como escreveria o próprio Lanzmann mais tarde em suas memórias.
Os esforços do pai viriam a surtir efeito: aos 18 anos, Claude organizou a resistência francesa em Clermont-Ferrand e lutou como guerrilheiro pouco depois na região de Auvergne, onde ele e seus companheiros se colocaram como entrave às tropas alemãs, que aumentavam seu contingente na Normandia.
Professor em Berlim aos 23 anos de idade
Depois da Segunda Guerra, Lanzmann estudou Filosofia na Sorbonne. Em 1947, passou um ano em Tübingen, na Alemanha, ao lado de seu amigo Michel Tournier. Em entrevista ao jornal Hannoversche Allgemeine Zeitung, ele contaria mais tarde: "Pude me mudar para a Alemanha porque não fugi dos alemães, porque não os combati. E eu quis isso, porque a Alemanha é o berço da filosofia". Mas foi acima de tudo a curiosidade que levou o jovem Claude ao país dos antigos ocupadores, pois seu interesse principal, já naquela época, recaía sobre a análise do Holocausto.
Aos 23 anos, entre 1948 e 1949, ele deu aulas na então recém-fundada Universidade Livre de Berlim. A pedido dos estudantes, proferiu palestras sobre antissemitismo, tendo como base a obra Sobre a questão judaica, de Jean-Paul Sartre.
Admiração por Sartre, amor a Simone de Beauvoir
De volta a Paris, Lanzmann trabalhou como jornalista. Seu artigo A Alemanha por trás da Cortina de Ferro, publicado pelo diário Le Monde, despertou a atenção de Sartre, a quem ele muito admirava. A seguir, Sartre pediu a Lanzmann que começasse a escrever para a revista Les Temps Modernes - publicação editada por ele até hoje. Entre 1952 e 1959, Lanzmann manteve um caso de amor com Simone de Beauvoir, de quem se manteve muito próximo até sua morte, em 1986.
Somente aos 40 e tantos anos é que Lanzmann começou a trabalhar com cinema. Por que Israel?, de 1973, aborda a questão da legitimação do Estado de Israel, ao qual ele próprio, um intelectual francês e ateu, sempre se sentiu ligado.
Doze anos de pesquisa para Shoah
Pouco depois, Lanzmann começou a realizar viagens de pesquisa para a Polônia, tendo em vista a realização de sua mais significativa obra: Shoah. Durante 12 anos, ele procurou por sobreviventes do Holocausto, tendo falado tanto com as vítimas quanto com os algozes. O projeto obteve financiamento da emissora alemã Westdeutscher Rundfunk (WDR). "Conhecíamos o primeiro filme de Lanzmann e apoiamos de imediato. Demos a ele toda a liberdade, pois para nós estava claro que se tratava de um grande tema. E Lanzmann era a pessoa certa para isso", recorda Wilfried Reichart, então diretor do departamento de cinema da emissora.
Shoah é uma longuíssima obra, com 9 horas e meia de duração – um filme sobre o Holocausto incomparável a qualquer outro. Lanzmann não exibe qualquer tipo de material de arquivo, mas mostra vítimas, algozes e os cenários do extermínio. Algo semelhante nunca havia sido feito. "Shoah é um filme avesso, uma ferramenta contra os museus e os memoriais, que na opinião de Lanzmann só administram a memória", observa Reichart. O filme é um anúncio de combate a qualquer compreensibilidade frente às atrocidades.
Relação quase terapêutica com os protagonistas
O objetivo de Lanzmann é a evocação absoluta, o que o diferencia radicalmente das produções melodramáticas norte-americanas, como Holocausto, de Marvin Chomsky, ou A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. Enquanto Spielberg conta a história dos sobreviventes, Lanzmann busca os mortos. "Em seu filme, não há nenhum desenlace cheio de lágrimas. Em vez disso, ele evoca a estrutura do trauma. De forma que o filme de Lanzmann é muito mais radical e sua estética muito mais adequada ao assunto", analisa Gertrud Koch, professora de teoria do cinema da Universidade Livre de Berlim.
Lanzmann deixa os sobreviventes darem seus testemunhos, mesmo quando eles mal suportam fazer isso. Para isso, ele leva seus protagonistas de volta aos cenários do horror, deixando-os rememorar o que ocorreu enquanto contam a respeito. Desta forma, ele transforma seus depoentes em encenadores da própria história, numa espécie de composição psicológica. O diretor e seus protagonistas mantêm uma ligação quase terapêutica, construída ao longo do tempo. " Lanzmann conseguiu criar uma obra única, porque ele encena de forma tão precisa, que nós, espectadores, não percebemos aquilo como se fosse de fato um papel sendo desempenhado. Assim ele nos leva para muito perto do que aconteceu", observa Koch.
Protesto de governantes socialistas
Antes da estreia do filme, a Polônia encaminhou protestos ao governo francês. Tal abordagem não correspondia às diretrizes dos donos do poder socialista, uma vez que o filme tocava no tema do antissemitismo que permeava o dia a dia na Polônia. Mas as tentativas de Varsóvia de impedir a exibição do filme foram vãs.
Em 1986, Shoah teve sua estreia fora da França no Festival de Cinema de Berlim, tendo sido premiado com três importantes prêmios da crítica. Muitas prêmiações se seguiram e a ressonância na mídia foi enorme, fazendo com que Lanzmann se tornasse internacionalmente conhecido. Com as mais de 350 horas de material reunido para Shoah, Lanzmann realizou a posteriori outros filmes, entre eles Um vivo que passa (1997) Sobibor, 14 de outubro de 1943, 16 horas (2001) e O relatório Karski (2010).
A homenagem do Festival de Berlim deste ano é prestada a este grande diretor, cuja vida foi dedicada à preservação da memória do Holocausto. Suas obras completas podem ser vistas na capital alemã durante o festival. O ponto alto da mostra é a primeira exibição de uma versão restaurada e digitalizada de Shoah. Além disso, estão sendo exibidos os filmes Por que Israel?, Tsahal (1994), Um vivo que passa, Sobibor, 14 de outubro de 1943, 16 horas e O relatório Karski.
Autor: Philipp Jedicke (sv)
Revisão: Alexandre Schossler