Festival de Bayreuth se confronta com passado nazista
24 de julho de 2012O louro Siegfried, mulheres heroicas, a tão evocada "fidelidade de Nibelungo": em muitas das óperas de Wagner tudo gira em torno das sagas épicas dos primórdios germânicos. Essa mitologia servia com perfeição à propaganda nazista dos louros e robustos alemães, lutando com valentia e intrepidez contra o resto do mundo.
Assim, era inevitável que o compositor e sua casa de ópera fossem cooptados pelo sistema nacional-socialista. "Hitler era um wagneriano entusiástico", comenta a historiadora austríaca Brigitte Hamann. "O jovem Hitler assistia a todas as récitas das óperas de Wagner que havia [em Bayreuth], sempre dos lugares mais baratos, em pé".
Em 2002, Hamann lançou o livro Hitlers Bayreuth. Em entrevista à Deutsche Welle, ela explicou, na época, a relação entre o líder nazista e a família Wagner.
Ditador artístico
Embora Richard Wagner (1813-1883) tenha vivido muito antes de os nacional-socialistas ascenderem ao poder na Alemanha, assim como estes, ele defendia posições antissemitas.
Em seu folheto O judaísmo na música, publicada em meados do século 19, ele julgava "os judeus" totalmente incapazes de qualquer verdadeira aptidão artística. O panfleto continha, ainda, expressões como "a influência corrosiva dos judeus sobre a cultura alemã" e "redenção através do (auto)extermínio".
Já na década de 1920, antes de sua ascensão como ditador, Adolf Hitler procurou o contato com o filho de Wagner, Siegfried, e a esposa deste, Winifred. "Eles o convidaram a visitá-los, e assim se criou uma relação pessoal realmente muito estreita", relata a historiadora.
A amizade pessoal também se baseava nas simpatias políticas da família Wagner pelo nacional-nacionalismo emergente. "A tradição nacionalista alemã já vinha de Richard Wagner, e quando o ditador nascido na Áustria foi a Bayreuth em 1923 visitar a família, todos entraram para o partido. Eles foram nazistas da primeira hora", diz Brigitte Hamann.
Essa amizade perdurou para além da morte de Siegfried Wagner, em 1930. Sua viúva passou a dirigir os Festivais de Bayreuth, mantendo o contato com a elite nazista. A partir da tomada de poder por Hitler, em 1933, toda a liderança do partido peregrinava regularmente para as récitas das óperas de Wagner na cidade situada na Baviera. Hitler, que na juventude tentara a carreira de pintor e desenhista, também opinava sobre o programa, direção de cena e cenários das apresentações.
Antinazismo declarado
Após a Segunda Guerra Mundial, foi difícil a família Wagner se livrar da sombra em seu passado. Em 1949, a inglesa Winifred Wagner entregou a direção dos festivais aos filhos Wieland e Wolfgang, e em 1951 ambos colocaram em cena a primeira montagem da Bayreuth pós-guerra.
Porém somente com as bisnetas Eva Wagner-Pasquier e Katharina Wagner, Bayreuth passou a se ocupar ofensivamente de seu histórico nazista. As meias-irmãs que dirigem o festival desde 2009 acabam de inaugurar uma exposição na "Colina Verde" – como é chamada a área onde fica o teatro em que se realiza o festival, – recordando a marginalização e perseguição dos cantores, regentes e diretores judeus.
Assim estava claro que Eva e Katharina tinham que reagir à acusação de que um cantor russo ostentava tatuagens nazistas. O barítono, já oficialmente incluído na programação, foi retirado da temporada atual e declinou do contrato.
"A decisão de Evgeny Nikitin de entregar [...] o papel do Holandês Voador se harmoniza com a postura consequente da direção do festival de rechaçar qualquer forma de ideologia nacional-socialista", divulgou a assessoria de imprensa do Festival de Bayreuth.
"A carga que os nazistas puseram sobre Bayreuth é tamanha, que para a chefia dos festivais não há alternativa senão enfatizar repetidamente: nós nos distanciamos", sintetiza a especialista wagneriana Brigitte Hamann.
Autora: Rachel Gessat (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer