Falta de moradia para refugiados é problema no Brasil, diz Acnur
15 de janeiro de 2014Fugindo de ameaças e conflitos em seus países, milhares de estrangeiros têm visto o Brasil como um destino seguro e de oportunidades. No ano passado, o número de solicitações de refúgio chegou a 5.200, mais do que o dobro dos pedidos feitos em 2012.
Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, o número de autorizações de permanência triplicou – 649 pessoas tiveram o reconhecimento da condição de refugiado. Ao todo, cerca de 4.500 estrangeiros de 79 nacionalidades com esse perfil vivem hoje no Brasil.
O país, no entanto, caminha lentamente para oferecer a acolhida necessária. Em entrevista à DW Brasil, Andrés Ramirez, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, identifica as falhas do governo e aponta as iniciativas que têm sido traçadas para que o país dê a assistência adequada a quem é forçado a deixar o país de origem.
DW Brasil: O Brasil tem atraído cada vez mais pessoas que fogem de guerras e perseguições em todo o mundo. O país está preparado para esse movimento crescente?
Andrés Ramirez: O Brasil vem se preparando, porque o aumento de solicitações tem sido uma constante. Quando cheguei ao país como representante do Acnur, em 2010, havia 500 pedidos de reconhecimento de refúgio. No ano passado, foram mais de 5 mil. O Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] está traçando um perfil dos refugiados que estão no Brasil para entender melhor as demandas e apresentar propostas para melhorar a integração dessas pessoas no país. Para este ano, o Acnur planeja repassar fundos ao Conare para que o órgão seja fortalecido e lide melhor com o atendimento aos refugiados, tendo em vista a chegada crescente de solicitantes.
Não existe uma política de moradia para refugiados no Brasil. Há muitos relatos de estrangeiros que, ao chegar, passaram vários dias na rua, sem amparo. Quando encontram ajuda, ela sempre vem de entidades filantrópicas. Qual seria o papel do governo?
Esse tem sido um problema. Para resolver ou pelo menos tentar diminuir esse efeito negativo temos apostado nos Comitês Estaduais para Refugiados. Nesses órgãos, autoridades locais podem pensar melhor em estratégias de ajuda. A maioria dos solicitantes de refúgio chega a São Paulo. Lá, há muitos moradores de rua, faltam espaços de acolhida, mas por meio dos nossos parceiros temos conseguido apoio para algumas pessoas que têm dificuldade em encontrar uma moradia decente. No final de 2013, abrimos um escritório do Acnur em São Paulo para estabelecer uma articulação maior com os parceiros e as ONGs que trabalham com direitos humanos e migração. O tema da moradia é uma preocupação.
E já se cogitou oferecer apoio às entidades filantrópicas que trabalham com refugiados ou criar centros públicos de acolhida em parceria com os governos estaduais?
Os comitês estaduais têm um limite de atuação. Por isso, a articulação com as ONGs é importante. Como você está falando, são possibilidades que a gente poderia cogitar. Nossa próxima ideia é estabelecer parcerias com os municípios. Queremos criar um Comitê Municipal para Refugiados em São Paulo, que tem sido o principal destino dos solicitantes.
O governo brasileiro se concentra na questão burocrática da documentação. Ele também se responsabiliza pela integração dos refugiados no país ou passa tudo isso para o Acnur?
A verdade é que a responsabilidade da integração é dos governos federal, estadual e municipal. O Acnur trabalha na ponta. É preciso considerar que nosso escritório é muito pequeno. Os recursos são muito limitados, e o Brasil é um país gigantesco. Os recursos do Acnur a nível mundial também são restritos. Normalmente, os doadores internacionais destinam recursos para operações humanitárias na África e no Oriente Médio, onde a situação é muito pior. Por isso, precisamos delegar muito trabalho aos comitês estaduais e procurar ONGs. O governo federal tem um limite também, mas, de qualquer maneira, está ajudando a repassar recursos para fortalecer o Conare.
No cenário internacional, qual é o papel do Brasil quanto ao tema refúgio? É um país de destaque?
O Brasil se destaca com uma legislação avançada. A Lei 9474/97 regulamenta a condição jurídica do refugiado e o Acnur, nesse sentido, reconhece a importância do país. No final de 2014, o Brasil irá sediar o evento Cartagena +30, que vai comemorar os 30 anos da Declaração de Cartagena. O instrumento é um marco na garantia de proteção de refugiados e outros deslocados forçados na América Latina e Caribe. A intenção é montar um plano de trabalho a nível regional para encontrar as melhores estratégias de trabalho.
Muitos solicitantes não são vítimas de guerras ou perseguições, mas vêm ao Brasil em busca de melhores condições de vida. Esse perfil tem crescido. Essas pessoas têm conseguido reconhecimento de refugiado?
Não estão chegando apenas refugiados ao Brasil, mas também quem não tem o perfil e solicita. A Lei 9474/97 permite que o pedido seja feito. A solicitação é avaliada pelos membros do Conare. Os que pedem refúgio apenas para conseguir documentos e regularizar sua situação no país acabam não conseguindo, como a maioria dos senegaleses. É legítimo tentar uma vida melhor, mas por claramente não serem refugiados, não são reconhecidos. No caso dos sírios, 100% dos que estão chegando estão recebendo a autorização de permanência.
Quanto aos sírios, é uma parcela pequena que procura o Brasil?
São poucos. Estamos falando de 320 refugiados sírios reconhecidos no Brasil desde 2011, quando estourou o conflito. A maior parte foi reconhecida no ano passado – 283 pessoas. Esses números são pequenos em relação aos do Oriente Médio. Dos mais de 2 milhões de sírios afetados pela guerra, 97% ficam nos países vizinhos.
Os países desenvolvidos têm imposto barreiras para a entrada de refugiados?
O Acnur sempre se preocupa com o mito de que os refugiados ficam em países desenvolvidos. Na verdade, a maioria está em países em desenvolvimento. Isso não é por acaso. A maioria não tem condições financeiras de sair do país e acaba indo para países vizinhos, que também são pobres. A lógica propulsora que movimenta os refugiados é diferente da do imigrante. O refugiado está em uma fuga para poder sobreviver. É a vida que está em risco. Então, não há condições de se ter uma política de restrição a refugiados que apenas estão fugindo por causa de perseguições e guerras. Ninguém escolhe ser refugiado.