Ex-ministros denunciam ameaça à democracia sob Bolsonaro
19 de junho de 2020Nove ex-ministros brasileiros do Meio Ambiente divulgaram uma carta aberta em defesa da democracia e da sustentabilidade, afirmando que o governo do presidente Jair Bolsonaro representa uma ameaça às instituições democráticas, ao meio ambiente, aos povos indígenas e à saúde e à vida de brasileiros em meio à epidemia de covid-19.
O grupo pede que a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional, governadores e prefeitos tomem providências e medidas legais para garantir a preservação ambiental e da democracia no país.
À PGR, eles solicitam que sejam investigadas denúncias de possíveis crimes de responsabilidade cometidos pelo atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O documento é assinado pelos ex-ministros Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira, Marina Silva, Rubens Ricupero, Sarney Filho e José Goldemberg. Eles comandaram a pasta nos governos dos ex-presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer.
O texto condena a postura "anticientífica" da gestão Bolsonaro e o desrespeito aos demais Poderes por parte do Executivo, e afirma que o país vive atualmente um "desgoverno".
"Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia consagrada na Constituição de 1988 de parte do próprio poder Executivo por ela constituído", afirma a carta, que apela por uma "urgente união nacional em defesa da Constituição".
"A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio da covid-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros", prossegue, num momento em que a doença causada pelo novo coronavírus já atingiu quase 1 milhão de pessoas e matou mais de 47 mil no país.
O documento ainda denuncia que a "sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la", mencionando a destruição dos biomas, que avança em taxas aceleradas, "com aumentos expressivos de desmatamentos na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica".
O texto também condena o que chama de desmantelamento sistemático de órgãos ambientais e normas federais durante a gestão de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, e diz que povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais "veem crescer de modo exponencial as ameaças aos seus territórios e às suas vidas".
Os ex-ministros ainda mencionam a reunião ministerial de 22 de abril, cuja gravação foi tornada pública pelo STF no mês passado, chamando-a de "degradante" e "retrato fiel desse desgoverno".
Segundo a carta, o encontro entre Bolsonaro e ministros dedicou "horas a ofender e desrespeitar de maneira abjeta os demais Poderes do Estado, sem uma palavra de comando para o enfrentamento da crise econômica ou superação da crise 'pandêmica'".
"A única menção à pandemia, feita pelo ministro do Meio Ambiente, não se destinou a estabelecer conexões entre a agenda da sustentabilidade e os desafios na saúde e na economia, mas, inacreditavelmente, para se aproveitar do sofrimento geral em favor dos nefandos interesses que defende", afirma o texto.
Na reunião, Salles sugeriu que o governo aproveitasse que a atenção da imprensa está voltada para a epidemia de coronavírus para avançar algumas mudanças nas leis ambientais que em circunstâncias normais poderiam ser recebidas com fortes críticas pela mídia e pela opinião pública. A fala gerou notas de repúdio por parte de entidades ambientalistas internacionais, como o Greenpeace.
"Nós temos a possibilidade neste momento, que a atenção da imprensa está voltada quase que exclusivamente para covid-19... A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro cobrou", disse o ministro no encontro.
Na carta aberta, os ex-ministros afirmam que, com essa fala, Salles "confessou de público o que pode caracterizar crime de responsabilidade, por desvio de função e poder, ao revelar o verdadeiro plano em execução por este governo que é 'passar a boiada' sobre a legislação socioambiental".
Por fim, o texto defende que "a polarização e radicalização promovidas pelo governo podem e devem ser respondidas com a união e colaboração entre pessoas de partidos e orientações diferentes fiéis aos valores e princípios da Constituição".
"Aprendemos pela dura experiência com o atual governo que quando a democracia, a liberdade e a Constituição são ameaçadas e/ou violentadas, os primeiros valores sacrificados são os relativos ao meio ambiente e aos direitos humanos. Sem democracia forte, não haverá sustentabilidade. Sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo", conclui a carta.
Carta em maio
Esta não é a primeira vez em que ex-ministros do Meio Ambiente se unem para atacar a política ambiental de Bolsonaro. Em maio, oito ex-titulares da pasta divulgaram uma carta semelhante, assinada pelos mesmos ex-ministros, com exceção de José Goldemberg.
Nela, os autores afirmavam que, em outubro do ano passado, já haviam alertado o presidente sobre a importância da consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país.
No entanto, passados cem dias de governo, "as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país", dizia o texto. "A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição."
À época, Salles respondeu às críticas em comunicado divulgado no Twitter. "O atual governo não rechaçou nem desconstruiu nenhum compromisso previamente assumido e que tenha tangibilidade, vantagem e concretude para a sociedade brasileira. Mais do que isso, criou e vem se dedicando a uma inédita agenda de qualidade ambiental urbana, até então totalmente negligenciada."
O ministro também negou que a atuação de seu ministério comprometa a credibilidade do Brasil no exterior e voltou a colocar a culpa em organizações não governamentais. "Ao contrário do que se verifica na prática, o que vem causando prejuízos à imagem do Brasil é a permanente e bem orquestrada campanha de difamação promovida por ONGS e supostos especialistas", afirmou.
EK/ots/efe/lusa
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