Ex-comunistas viram "Partido de Esquerda"
17 de julho de 2005Num momento da política alemã em que a social-democracia se prepara para uma despedida do poder e o retorno dos conservadores democrata-cristãos é tido como provável, surge na Alemanha uma verdadeira luta pelo selo "de esquerda". Num cenário que levanta, como analisa o semanário Die Zeit, questões sobre "o que significa esquerda, hoje, no contexto do capitalismo global".
Mesmo que a pergunta seja motivo de debate ou acabe sem respostas imediatas, são altas as chances das facções que se autointitulam "à esquerda" da social-democracia nas próximas eleições: o PDS (Partido do Socialismo Democrático), remanescente do partido único comunista da ex-Alemanha Oriental, e a recém-criada WASG (Aliança Eleitoral por Trabalho e Justiça Social).
Vácuo no cenário político
O primeiro tem o advogado Gregor Gysi como figura central e o segundo o ex-ministro Oskar Lafontaine, dissidente do SPD (Partido Social Democrata) do premiê Gerhard Schröder. "Eu diria, porém, que há uma diferença entre as chances imediatas desta aliança e perspectivas a longo prazo", afirma o cientista político Klaus Detterbeck, em entrevista à DW-WORLD.
Se a curto prazo a aliança "de esquerda" tende a preencher um vácuo no cenário político, Detterbeck vê a heterogeneidade dos partidos que a formam como um sério problema. "Uma heterogeneidade tanto entre as lideranças, quanto entre as bases. De um lado, os grupos ligados a sindicalistas no oeste do país, de outro os antigos líderes do PDS no leste".
Realidades que, para Detterbeck, são bastante diversas – "tanto nos programas, quanto nas metas políticas. O que une os dois partidos é o protesto contra as reformas sociais, mas, a longo prazo, eles vão se desentender".
Entrega à "esquerda ocidental"
Neste domingo (17/07), o PDS apresentou seu programa de governo, um calhamaço de 17 páginas, no qual o partido procura, explicitamente, se distanciar do rótulo de "neocomunista", recebido no início da década de 90.
Analistas apontam uma "entrega" da facção às diretrizes da esquerda ocidental, como se os remanescentes do comunismo tivessem encontrado um ninho na "rebeldia" de Oskar Lafontaine, ex-social-democrata e candidato oficial lançado pela WASG.
Haider alemão?
Uma rebeldia, diga-se de passagem, que segundo seus adversários pode ter conotações de direita. Lafontaine foi chamado até mesmo de "o Haider alemão", por ter, num discurso, usado a nomenclatura Fremdarbeiter para se referir a trabalhadores estrangeiros no país. O termo – literalmente trabalhadores estranhos – fazia parte do jargão nazista.
Para o cientista político Detterbeck, porém, a trajetória política de Lafontaine não leva a crer que ele defenda posturas de extrema direita ou que ele ao menos tenha tentado com a declaração angariar eleitores xenófobos.
"Lafontaine sempre se opôs a seus correligionários, defendendo posições desconfortáveis para seu partido. Isso ele continua fazendo. Ou seja, a comparação com Haider é injusta", conclui Detterbeck.
Aliança de "ontem com anteontem"
Fato é que, na hora da decisão, é possível que o eleitor alemão queira optar por "novas alternativas". Mesmo se essas forem oferecidas por "velhas raposas " da política do país, como Lafontaine e Gysi. Os social-democratas devem perder votos entre os sindicalistas e até o terreno verde vem sendo pisado pelo PDS, que levanta temas como desenvolvimento sustentável e energias alternativas.
"A aliança do PDS com a WASG não é nada mais que uma aliança de ontem com anteontem", sentencia com ironia o semanário Die Zeit.