Geopolítica
6 de novembro de 2008Na ressaca do entusiasmo generalizado na Europa com a vitória de Barack Obama nas urnas, o day after começa a trazer os primeiros sinais de que o futuro pode não ser tão cor-de-rosa assim. Além da crise financeira internacional e de uma população norte-americana assustada por sentir excepcionalmente na pele os sintomas de uma economia cambaleante, Obama já pode prever que também em relação à política internacional as dificuldades serão muitas.
Poucas horas após a festejada vitória do candidato nas urnas, na quarta-feira (04/11), o presidente russo Dimitri Medvedev fez um pronunciamento oficial à nação anunciando suas intenções de estacionar mísseis táticos em Kaliningrado, enclave russo entre a Polônia e a Lituânia. O sistema de mísseis do tipo Iskander tem ação de curta distância, o que causa grande temor nos dois países vizinhos, ambos membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
"Os EUA não quiseram nos ouvir"
Medvedev não detalhou quantos mísseis estariam estacionados em Kaliningrado nem se eles possuem explosivos atômicos. Segundo ele, a decisão é uma resposta aos escudos antimísseis dos EUA posicionados no Leste Europeu e que "ameaçam a Rússia". Medvedev afirmou ainda que Moscou tentou, em vão, estabelecer uma cooperação com os EUA, "mas eles não quiseram nos ouvir, para nosso grande pesar", disse o presidente.
Ao contrário de vários chefes de governo de todo o mundo, Medvedev não cumprimentou diretamente Barack Obama, embora tenha dito esperar que "as desgastadas relações bilaterais entre Rússia e EUA" possam melhorar sob o governo do novo presidente.
Sinal errado na hora errada
As reações ao pronunciamento do presidente russo ecoaram em todo o mundo. O ministro alemão das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, salientou em entrevista à cadeia de televisão ARD que o discurso de Medvedev foi "um sinal errado, no momento errado". Segundo ele, a Rússia tem que entender que "estamos, esses dias, passando por um momento delicado de mudança, em que há realmente a possibilidade de reformular a relação entre a Rússia e os EUA".
O encarregado do governo alemão para as relações com os EUA, Karsten Voigt, também condenou a postura de Medvedev como "negativa" e "destrutiva". Isso mostra, segundo ele, como é importante levar adiante a política de desarmamento em relação a Moscou. "É preciso também conversar com a Rússia porque se precisa do país a fim de restringir as ambições do Irã em relação a armas nucleares", completou.
Fortalecimento da aliança Europa-EUA
Voigt salientou que com Obama na presidência haverá "muito mais pontos em comum entre a Europa e os EUA que no passado". Boas relações transatlânticas são também a esperança do ministro Steinmeier. "Não podemos esperar que ele corresponda a todas as expectativas, mas estou certo de que vai haver uma série de mudanças na política externa européia. Nova é também a postura de Obama de não dividir o mundo em bom e mau e acreditar que os EUA não precisam de inimigos, mas sim de mais parceiros", completou.
A Otan, por sua vez, demonstrou "sérias preocupações" com a posição russa em relação ao controle de armas. "O posicionamento desses mísseis Iskander na região de Kaliningrado não ajudaria a Otan e a Rússia a melhorar suas relações", afirmou o porta-voz Robert Pszczel.
Obama e Medvedev: primeiro encontro
Também por parte da UE são grandes as preocupações em relação à Rússia. A Comissão Européia conclamou os membros do bloco a rever a postura frente a Moscou. Os ministros do Exterior dos países do bloco estarão reunidos na próxima segunda-feira (10/11), quando possivelmente irão negociar uma base de consenso para retomar as negociações com Moscou.
Poucos depois, em Nice, no sul da França, acontece o próximo encontro de cúpula UE-Rússia. Um dia antes, Medvedev e Obama irão se reunir. O ministro russo do Exterior, Sergei Lavrov, afirmou que os dois chefes de governo poderão se encontrar no próximo 15 de novembro, às margens do encontro do G-20, no qual os líderes das maiores economias do mundo – inclusive o Brasil – irão discutir os rumos da economia mundial após as turbulências do mercado financeiro.