EUA lutam contra a corrente
27 de agosto de 2002A pressão exercida pelo governo de George W. Bush em relação a eventuais processos no TPI de Haia contra norte-americanos é digna de nota. A primeira estratégia foi tentar bloquear a prorrogação do mandato da ONU na Bósnia-Herzegóvina, caso a imunidade dos soldados norte-americanos não fosse concedida. O segundo plano é firmar acordos bilaterais, que protejam cidadãos norte-americanos de serem enviados a Haia, em caso de acusação de crimes de guerra.
Negativa -
Essa tentativa, embora atrelada à ameaça de Washington de reduzir ou cortar o apoio militar aos países que se recusarem a assinar o acordo, está fadada ao fracasso. Até agora, apenas Israel e Romênia reagiram de maneira positiva ao pedido. Vários outros países já disseram não aos EUA. A União Européia, por exemplo, pretende seguir uma linha única no trato da questão. A ordem em Bruxelas é, por enquanto, ganhar tempo: tanto para as nações da UE quanto para os países candidatos. Mesmo que isso possa causar puxões de orelha por parte de Washington.A calma dos europeus tem uma simples razão: o medo dos EUA de que cidadãos norte-americanos possam vir a ser processados perante o Tribunal Internacional de Haia é tido como injustificado, uma vez que os países do "eixo do mal" (Iraque, Irã e Coréia do Norte, nas palavras de Bush), não ratificaram o estatuto do TPI. Logo, crimes de guerra ocorridos nesses países não poderão ser levados a Haia. Exceções poderiam ser feitas somente se determinadas pelo Conselho de Segurança da ONU, o que pode ser facilmente evitado pelos EUA através de um simples veto.
E as possibilidades de que países como o Iraque venham a ratificar o estatuto de TPI são mais que remotas. Resultado: enquanto nem os EUA nem o Iraque tiverem ratificado o estatuto, tropas norte-americanas podem fazer o que bem entenderem em território iraquiano. O tribunal em Haia estará de mãos atadas, pois sem o aval dos dois países envolvidos, não estará apto a intervir.
Questões jurídicas -
Ou seja, nenhum soldado norte-americano precisa ter medo de ter que justificar seus atos perante os juízes em Haia. Curiosamente, o mesmo não vale para a Alemanha. Segundo a legislação do país, criminosos de guerra podem ser julgados em território nacional, antes de serem extraditados a Haia. Isso significa que um soldado norte-americano poderia vir a ser julgado por crimes de guerra pela Justiça alemã, mesmo não podendo legalmente ser processado pelo Tribunal de Haia.É óbvio que tais casos estão diretamente ligados a decisões políticas e diplomáticas entre os países envolvidos, mas, pelo menos teoricamente, para um soldado norte-americano em ação no Iraque, o perigo de ser processado pela Justiça alemã é maior do que o de ser levado ao TPI de Haia.
Aliados -
Não exatamente por questões meramente jurídicas como essa, o presidente George W. Bush anunciou que pretende "consultar os aliados" em relação a prováveis ataques dos EUA contra o Iraque. Bush criticou ainda "especulações precipitadas" sobre suas intenções de derrubar o líder Saddam Hussein, reafirmando, no entanto, sua posição em prol de uma mudança de regime em Bagdá.A postura de Washington, no entanto, encontra resistência não só fora, como também dentro dos EUA. Rent Scowcraft - principal conselheiro de Bush, o pai - desaconselhou publicamente o país a atacar o Iraque, com o objetivo de "não destruir a coalizão mundial antiterror". Bush, o filho, em seu afã de destruir o que em sua retórica maneirista é chamado de "eixo do mal", percebeu que, por pressões internas e externas, deve pisar nos freios.
Ao contrário dos EUA, o Reino Unido - principal braço de Washington na luta contra o terrorismo - anunciou que prioriza a volta dos inspetores do desarmamento da ONU ao Iraque. O ministro britânico das Relações Exteriores, Jack Straw, afirmou nesta quinta-feira (22), que no caso de o Iraque aceitar a volta dos inspetores "sem impor condições ou restrições", a situação mudaria. Isso mostra que o governo de Tony Blair, que até então vinha seguindo as diretrizes de Washington sem resistência, começa a articular suas próprias posições.
Tática nazista -
O governo iraquiano anunciou "uma ofensiva diplomática em todas as frentes" contra a política norte-americana, que acusa Saddam Hussein de construir um arsenal de armas químicas, biológicas e nucleares. O jornal Al Thaura, ligado ao partido Baath, atualmente no poder, comparou os políticos norte-americanos ao ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels. Segundo o diário, Washington "segue fielmente o lema de Goebbels: é preciso apenas mentir com freqüência suficiente, para que as pessoas acabem acreditando".