EUA evitam sanções a Bin Salman por morte de jornalista
27 de fevereiro de 2021Após sugerir que príncipe saudita Mohammad Bin Salman estaria por trás da morte do jornalista dissidente Jamal Kashoggi, o governo dos Estados Unidos frustra ativistas e apoiadores ao evitar punições ao monarca.
Um relatório da inteligência americana divulgado nesta sexta-feira (26/02) afirma que Bin Salman, que exerce a função de chefe de governo no reino saudita, "aprovou uma operação em Istambul para capturar e assassinar” o jornalista,
O documento, tornado público pelo governo do presidente Joe Biden, afirma ser altamente improvável que o assassinato de 2018 tenha ocorrido sem o aval do príncipe. A ação, ocorrida no consulado saudita na metrópole turca, se encaixaria em um padrão adotado por Bin Salman de "apoiar medidas violentas contra dissidentes no exterior”, diz o texto.
Khashoggi era residente nos Estados Unidos onde trabalhava como colaborador do jornal americano The Washington Post. Após comparecer ao consulado, ele foi morto e teve seu cadáver desmembrado. O jornalista era um crítico da concentração autoritária de poder por Bin Salman e escreveu vários artigos que denunciavam o príncipe.
O Departamento do Tesouro americano anunciou que irá congelar bens e criminalizar as transações com um ex-agente de inteligência do reino e a chamada Força de Intervenção Rápida, uma unidade de elite que, segundo o relatório de inteligência, "existe para defender o príncipe herdeiro” e "responde somente a ele”.
Conversa cordial entre Biden e rei Salman
Nesta sexta-feira, Biden afirmou que seu país irá responsabilizar a Arábia Saudita por violações aos direitos humanos e disse ser "revoltante” que o governo de seu antecessor, Donald Trump, não tenha permitido que o relatório viesse a público.
Seu governo, porém evitou impor sanções que pudessem atingir diretamente o príncipe de 35 anos. O regime saudita é o principal aliado dos americanos no mundo árabe, tendo em vista suas vastas reservas de petróleo e sua rivalidade com o Irã.
O relatório foi divulgado um dia após Biden ter feito a sua primeira conversa telefônica com o rei da Arábia Saudita, Salman, pai de Mohammad, em um movimento calculado para reduzir o impacto negativo na relação entre os dois países.
Segundo a Casa Branca, os dois discutiram as "atividades desestabilizadores e o apoio a grupos terroristas" do Irã no Oriente Médio. O tom da conversa, porém, contrasta com a promessa de Biden, durante sua campanha, de fazer da Arábia Saudita "um pária" por causa do assassinato de Khashoggi. Mas, o telefonema também serve para o presidente se distanciar do príncipe, que tinha contato direto com Trump.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, anunciou a criação da chamada Lei Khashoggi, que proibirá a entrada nos EUA de estrangeiros que ameacem dissidentes, ativistas ou jornalistas e seus familiares. Os nomes de 76 sauditas já foram incluídos na lista.
Blinken disse que o governo tenta evitar uma "ruptura nas relações bilaterais”. Ao invés disso Washington pretende "recalibrá-las, para que estejam mais em linha com os nossos interesses”, afirmou o secretário.
Medidas desagradam apoiadores de Khashoggi
O Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita disse que "rejeitava completamente" o que chamou de "avaliação negativa, falsa e inaceitável” e condenou "qualquer medida que venha a recair sobre a liderança” do país.
As medidas adotadas pelos EUA desagradaram apoiadores do jornalista e grupos de defesa dos direitos humanos. A entidade Democracia Já para o Mundo Árabe, criada pelo próprio Khashoggi, pediu sanções a Bin Salman. Alguns parlamentares do Partido Democrata de Biden também exigiram punições severas ao príncipe herdeiro.
A ONG Repórteres sem Fronteiras pediu que os mandantes do assassinato sejam processados de modo concreto. "Tribunais independentes devem assegurar a Justiça e esclarecer a responsabilidade do príncipe Mohammad Bin Salman na morte do jornalista”, afirmou em nota o diretor-executivo da ONG, Christian Mihr.
Apesar de o poder na Arábia Saudita país estar nominalmente nas mãos do rei Salman, de 85 anos, o país vem sendo governada de fato desde 2017 pelo príncipe herdeiro. Em dezembro de 2019, um tribunal saudita condenou à morte cinco pessoas pelo assassinato do jornalista. As penas depois foram comutadas para 20 anos de prisão.
rc(Reuters, AFP, DPA)