Os países latino-americanos são cada vez mais envolvidos nos imbróglios geopolíticos entre Pequim e Washington. Isso ficou patente nos últimos dias, quando os Estados Unidos fecharam um acordo com a Venezuela em que esta se declarava disposta a realizar eleições idôneas em 2024 em troca de um abrandamento das sanções americanas, introduzidas em reação às óbvias fraudes eleitorais de 2019.
A indústria petroleira venezuelana poderá voltar a vender no mercado mundial. O contexto é que, após a guerra da Rússia na Ucrânia e dos recentes ataques do grupo terrorista Hamas contra Israel, os EUA temiam uma explosão dos preços do petróleo. Portanto fornecimentos adicionais do produto venezuelano para o Ocidente são bem-vindos. Mesmo porque, até agora eram sobretudo os chineses a lucrarem com as exportações de petróleo da Venezuela – baratas e, do ponto de vista americano, ilegais.
Contudo as duas potências mundiais estão metendo a colher também nas eleições gerais da Argentina – embora de maneira não tão óbvia.
O resultado do primeiro turno surpreendeu a muitos: o ministro em exercício da Economia, Sergio Massa, obteve 36,6% dos votos, enquanto seu adversário, o libertário Javier Milei, ficou aquém dos 30%, quando muitos esperavam – ou temiam – a vitória do autodenominado anarcocapitalista. Ambos voltam a se enfrentar no segundo turno, em 19 de novembro.
É espantoso Massa ter obtido tantos votos adicionais assim, desde as primárias de agosto, quando ainda aparecia em terceiro lugar. Pois, enquanto membro do gabinete do presidente Alberto Fernández, ele é responsável pela catastrófica política econômica que colocou a Argentina à beira de uma hiperinflação, como 30 anos atrás. A cotação do dólar em relação ao peso quintuplicou.
Massa acelerou ainda mais a inflação com presentes de campanha: semana após semana, decretou aumentos de salários e aposentadorias, bônus únicos, alívios fiscais. Como o Estado está falido, ele financiou a explosão de gastos imprimindo dinheiro, e no momento a cédula argentina mais alta, de mil pesos, não vale nem um dólar.
Entra em cena Pequim
Entretanto o que possibilita o programa de presentes eleitoreiros de Massa, acima de tudo, é o fato de ele contar com respaldo do exterior. Por um lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) de Washington segue concedendo crédito à Argentina, embora o governo não cumpra nenhuma das estipulações.
E agora, de repente, a China também entrou em cena como credora generosa. Desse modo o pleito argentino se transformou numa queda-de-braço geopolítica entre Washington e Pequim, com cada uma das potências tentando puxar para seu lado o país sul-americano ou mantê-lo sob seu controle.
Ainda em fins de agosto, após dias de negociações em Washington, Massa obteve do FMI uma parcela de crédito de 7,5 bilhões de dólares. Na prática, porém, todo esse dinheiro não parou nem um momento nos cofres de divisas do Banco Central argentino: Buenos Aires o empregou para pagar os juros e amortizações que devia ao FMI.
Mas com isso o tema inadimplência não está esgotado: o problema não foi resolvido, apenas adiado. O cofre de divisas argentino está vazio, e em novembro – portando após a eleição – é hora de pagar mais uma parcela da dívida. Foi quando a China se meteu na relação entre Washington e Buenos Aires, ao oferecer-lhe um crédito de 6,5 bilhões de dólares, apenas quatro dias antes da data da eleição.
Nas quatro semanas até o segundo turno, Sergio Massa poderá empregar esse crédito para continuar distribuindo presentes de campanha, acionando as máquinas eleitorais dos governadores de província peronistas e conquistando novos aliados. Para o ministro da Economia, a inesperada benesse de Pequim poderá ser decisiva no resultado das urnas.
Isso também aumenta a pressão sobre Washington para continuar proporcionando crédito do FMI. Agora que a China se apresentou como possível credor para a Argentina, é praticamente impossível os EUA abandonarem sem luta o campo, deixando-o na mão de um concorrente geopolítico.
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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América Latina do grupo editorial Handelsblatt e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Quando não está viajando pela região, fica baseado em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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