Estudo traz à tona abusos na Igreja Protestante alemã
25 de janeiro de 2024Embora menos falada, a violência sexual contra menores também é uma realidade na Igreja Protestante alemã há décadas. Agora, um estudo encomendado pela Igreja Evangélica da Alemanha (EKD, na sigla em alemão) – a maior organização protestante do país – e divulgado nesta quinta-feira (25/01) revela a extensão do problema: desde 1946, são 2.225 vítimas e 1.259 supostos perpetradores, dos quais 511 são ou foram sacerdotes. Mas os números reais podem ser muito maiores, segundo os autores do estudo.
Os dados foram obtidos por meio de questionários preenchidos pelas dioceses e coletados pela ForuM, equipe multidisciplinar contratada para realizar o estudo.
A nível regional, também foram registrados outros 1.025 casos de abuso e 562 suspeitos adicionais dos quais se tem conhecimento, mas faltam dados, motivo pelo qual os acontecimentos não puderam ser reconstruídos em detalhes.
Segundo o relatório, mais da metade das pessoas afetadas são homens e a idade média das vítimas era de aproximadamente 11 anos no momento da primeira agressão.
Os supostos perpetradores tinham idade média de 43 anos. Dois terços deles eram casados e 45% são acusados de múltiplos casos de abuso.
Números reais podem ser muito maiores
Os dados, no entanto, representam apenas "a ponta da ponta do iceberg", disse durante entrevista coletiva em Hannover o especialista em abusos sexuais Martin Wazlawik, que coordenou a investigação.
Segundo a própria equipe de pesquisadores, uma contagem menos criteriosa, que inclui casos não documentados pela igreja e que deve por isso ser vista com "muita cautela", poderia resultar num total de 9.355 pessoas afetadas e 3.497 acusados.
Até a realização da pesquisa, eram conhecidos somente 858 casos, relativos a abuso em que as vítimas contataram as autoridades responsáveis nas igrejas regionais nos últimos anos.
Wazlawik destacou que o número de casos não reflete de forma alguma a magnitude do fenômeno – isso porque, entre outras razões, não se pode descartar que alguns registros tenham sido destruído,s e muitas vítimas foram incentivadas a permanecer em silêncio pelas pessoas ao seu redor.
O especialista criticou duramente os procedimentos da igreja evangélica para lidar com os abusos que, segundo ele, só foram abordados com relutância e sem transparência suficiente ou abordagem sistemática.
"Quem quisesse ver e ouvir teria sido capaz de ver e ouvir", afirmou.
Pedido de desculpas
Kirsten Fehrs, presidente do conselho da Igreja Protestante da Alemanha, disse estar "chocada" com a imagem oferecida pelo relatório e com a "pérfida e brutal violência com que se cometeu uma injustiça inefável contra adultos, adolescentes e crianças".
Fehrs lembrou que a EKD encomendou o estudo em 2020 não para saber se ocorreram casos de violência sexual, mas para analisar os fatores e as estruturas de risco relacionadas com eles.
"Está claro: temos estruturas que protegem os perpetradores", disse, destacando que "estes não são casos isolados" e que "muitas coisas devem mudar".
Fehrs pediu desculpas em nome da igreja.
"Como instituição, também somos culpados por prejudicar inúmeras pessoas. E só posso pedir desculpas do fundo do meu coração", disse, acrescentando, porém, que o pedido de desculpas só pode ser crível se a igreja de fato agir.
"Queríamos este estudo. O iniciamos e o aceitamos com humildade", afirmou.
Ministra alemã da Família, Lisa Paus apelou à Igreja Evangélica para lidar sistematicamente com o abuso sexual a nível institucional. Para ela, os resultados do estudo são "chocantes" e a confiança das pessoas afetadas foi explorada de forma "abominável".
O ministro da Justiça, Marco Buschmann, apelou às igrejas Católica e Protestante que trabalhem para esclarecer casos de abuso, de forma a repará-los e a melhorar a prevenção.
"A investigação da Igreja é importante – mas não substitui a ação penal estatal sempre que isso for possível", explicou.
Um estudo publicado em 2018 e encomendado pela Igreja Católica Alemã chocou a opinião pública ao revelar a existência de ao menos 3.677 vítimas e 1.670 supostos abusadores desde o pós-guerra.
le/ra (EFE, ots)