Especulação e fome
8 de outubro de 2011A Meta do Milênio mais importante estabelecida pelas Nações Unidas – a redução da miséria e da fome pela metade até 2015 – está cada vez mais distante de se tornar realidade. Segundo estimativas da Misereor, organização para a ajuda ao desenvolvimento da Igreja Católica, desde meados dos anos 1990, o número de famintos no mundo aumentou de 850 milhões para 950 milhões de pessoas.
O principal motivo seria a especulação de alimentos e de terra cultivável, explicaram nesta sexta-feira (07/10) em Berlim o consultor de assuntos agrários da Misereor, Benjamin Luig, e o especialista do mercado financeiro Dirk Müller.
Convidado frequente em talk shows na televisão e perito do Parlamento alemão, Müller é o rosto do mercado de ações mais conhecido da Alemanha. Há anos que ele vem criticando a atuação desregulada do mercado financeiro.
Segundo Müller, as bolsas de valores são importantes, mas devem servir à economia real. Assim, não deveria ser permitido investir dinheiro em matérias-primas como metais ou alimentos, para retirá-los posteriormente do mercado e gerar ainda mais dinheiro. Os fundos baseados no lucro agem sem considerar as necessidades da população. "O que está em jogo são vidas humanas", afirmou Mülller, com indignação.
Alimentos acabam em depósitos
O especialista explica que os especuladores compram alumínio e níquel diretamente do produtores. Em seguida, eles transportam esses materiais para depósitos, retirando-os assim do mercado. "Então eles lucram com o aumento de preços, que eles mesmo desencadearam com essa compra". Atualmente, isso acontece com metais. Mas é somente uma questão de tempo até o mesmo incidir sobre o trigo, o milho ou o cacau, disse Müller.
Se os preços dos alimentos sobem vertiginosamente, como esperado pelos especuladores, eles obtêm grandes lucros nas bolsas de valores. Quem paga o preço, no sentido literal da palavra, são os mais pobres, principalmente em grande parte do continente africano, reclama a Misereor.
Eles têm que gastar até 80% de sua renda com alimentos, disse Benjamin Luig. O problema é agravado ainda mais devido à realocação de grandes quantidades dessas matéria-primas. Atualmente, apenas 50% das colheitas mundiais de cereais são destinadas diretamente ao consumo humano. Cerca de 35% acabam como forragem no mercado mundial e uma parcela crescente é utilizada para produção de biocombustível ou disponibilizada para o uso industrial, afirmou Luig.
Pequenos agricultores africanos são expulsos
Placide Mukebo, parceiro da Misereor na República Democrática do Congo, conhece bem os efeitos que a especulação de alimentos e de terra cultivável causam sobre as populações.
Já há diversos anos, Estados e empresas estrangeiras compram milhões de hectares de terra para plantar, por exemplo, culturas de milho, óleo de dendê e cana de açúcar. Os que sofrem são os agricultores desamparados pela lei, relata Mukebo.
Na região de Lumbumbachi até a fronteira com a Zâmbia, grandes empresas foram autorizadas a construir uma cerca de vários quilômetros de extensão. Com essa medida, três mil pequenos agricultores tiveram de ser deslocados, apesar dos maciços protestos de que não teriam recebido nenhuma indenização, informou o parceiro da Misereor.
Müller defende aumento de capital próprio
Para garantir o controle sobre os especuladores, Dirk Müller defende regras mais duras para o mercado financeiro. Como proposta concreta ele sugere que os investidores aumentem seu capital de forma significativa. Atualmente, com uma pequena participação financeira de somente 6% ou 7%, eles podem, por exemplo, investir em trigo. "O resto eles obtêm através de empréstimos bancários", reclamou Müller. Um dinheiro que muitas vezes faz falta na economia real, para a compra, por exemplo, de maquinário.
A organização católica Misereor apela ao governo alemão para que se engaje internacionalmente por limites para a especulação de terra e de matérias-primas. Isso seria possível no âmbito do grupo que reúne as principais economias emergentes e industrializadas (G20) e também no Comitê das Nações Unidas para a Segurança Alimentar.
Texto: Marcel Fürstenau (ca)
Revisão: Mariana Santos