"Estamos esperando nossa vez de morrer"
22 de fevereiro de 2018Pelo quinto dia consecutivo aviões de guerra realizaram ataques em Ghouta Oriental, um enclave rebelde localizado próximo da capital da Síria. Cerca de 370 pessoas morreram no distrito rural, nos arredores de Damasco, desde domingo – estimativas citam mais de 1.800 feridos. De acordo com monitores de direitos humanos e agências humanitárias, os ataque são executados por caças russos e sírios.
Enquanto as forças governamentais massacram Ghouta Oriental com foguetes e bombas e transformam as cidades em ruínas, além de destruir hospitais – segundo o Médicos Sem Fronteiras (SMF), 13 unidades apoiadas por ela foram destruídas ou danificadas – e infraestrutura, residentes do enclave se amontoam em abrigos e porões.
"Estamos esperando a nossa vez de morrer. É a única coisa que posso dizer", afirma Bilal Abu Salah, de 22 anos, cuja esposa está grávida de cinco meses de seu primeiro filho.
Eles vivem em Douma, a maior cidade em Ghouta Oriental. Ambos temem que o terror do bombardeio resulte num entrada prematura em trabalho de parto. "Quase todas as pessoas aqui vivem agora em abrigos. Há cinco ou seis famílias numa casa. Não há comida, nem mercados", diz.
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Um intenso aumento nos bombardeios, incluindo foguetes, ataques aéreos e bombas de barril lançadas de helicópteros tem sido registrado desde domingo. A ofensiva contra o enclave se tornou uma das mais mortais da guerra civil da Síria, que entra em seu oitavo ano. O governo sírio e sua aliada Rússia, que apoia o presidente Bashar al-Assad com força aérea desde 2015, afirmam que não visam civis.
Fotografias divulgadas pela agência de notícias Reuters e tiradas em Ghouta Oriental mostram homens realizando buscas em meio aos escombros de edifícios destruídos e carregando pessoas ensanguentadas ao hospital. Um vídeo mostra destroços no hospital Al Shif, na cidade de Hammouriyeh, atingido, por ataques aéreos e artilharia.
"Houve vítimas entre nossos funcionários, entre os pacientes, entre as crianças que estavam conosco", disse um funcionário hospitalar, que acrescentou que os médicos realizaram uma cirurgia em meio aos escombros porque era impossível deixar o local a tempo. "Todos os departamentos do hospital estão completamente fora de serviço."
Fotografias e vídeos de Kafr Batna divulgadas pela Defesa Civil da Síria e por grupos de ativistas locais se assemelham a cenas de um terremoto. Socorristas buscam sobreviventes entre os escombros.
Num vídeo, funcionários carregam um homem com cabelo e roupas cobertos de poeira e detritos, sangue escorrendo pelo rosto. Sirenes predominam no som de fundo e pessoas gritavam em pânico. Nas fotos, é possível ver crianças sendo tratadas em hospitais e corpos envoltos em panos brancos enfileirados ao longo de covas improvisadas.
Um médico de Saqba disse que voltou para casa, na terça-feira, para descansar depois de dois dias ininterruptos tratando feridos, quando uma série de foguetes atingiu seu bairro e sacudiram seu apartamento, além de quebrar as janelas.
Minutos depois, os ataques aéreos começaram. O primeiro atingiu sua casa, disse o médico. Ele relatou que não podia ver nada através da poeira, enquanto gritava por sua esposa grávida e dois filhos pequenos, de 1 e 2 anos. Vizinhos vieram em seu socorro e ajudaram a se esconder no porão, onde passaram a noite. Todos sofreram ferimentos superficiais. "Eu sou um dos afortunados. Eu sei que nem todos em minha área em Ghouta Oriental teriam a mesma sorte", disse o médico.
Um sistema de alerta de ataques aéreos administrado pela Defesa Civil da Síria, um serviço de resgate em áreas de oposição, enviou alertas num ritmo acelerado na quarta-feira. Os alertas são desencadeados quando aviões de guerra são vistos saindo de bases aéreas. "A hora prevista para o avião chegar às partes mais bombardeadas de Ghouta Oriental [...] Harasta: dois minutos, a partir de agora", diz um alerta típico.
Abdullah Kahala, um operário da área de construção, estava tomando café da manhã com sua esposa e seis filhos quando uma enorme explosão destruiu a parede. "Eu vi Hala e Sara deitadas no sangue com sua mãe histérica e nossas outras crianças chocadas no chão", disse. "As bombas estavam caindo por toda parte perto de nossa casa. Passamos a semana passada cavando entre os escombros em áreas próximas com nossas próprias mãos."
São muitas as cenas retratadas de equipes de resgate impossibilitadas por novos ataques aéreos de salvar pessoas presas nos escombros. Há também vários relatos de bombardeios indiscriminados contra instalações médicas e civis. "Por que o regime está nos atacando? Nós somos civis. O regime e a Rússia estão visando apenas civis", diz Khaled Shadid, residente da cidade de Douma.
As chuvas desta quinta-feira provocaram uma breve pausa nos ataques. Alguns residentes se aventuraram para fora de seus abrigos e porões para comprar comida, verificar suas propriedades ou buscar informações sobres parentes e vizinhos.
Em Hammuriyeh, uma fila se formou do lado de fora de uma mercearia, pois vários moradores famintos tentavam comprar suprimentos, mas o estouro de uma explosão gerou pânico, e todos acabaram retornando aos seus abrigos.
PV/rtr/afp
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