Esperança e ceticismo antecedem visita de Merkel a Kiev
22 de agosto de 2014Angela Merkel é uma presença rara em Kiev. Em seus quase nove anos de mandato, a chanceler federal alemã só esteve uma vez na capital da Ucrânia. Foi uma visita curta, de poucas horas, em 21 de julho de 2008. Na ocasião, foi recebida pelo então presidente ucraniano, Viktor Yushchenko.
Na época, a Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata Cristã, partido de Merkel, descreveu a coletiva de imprensa conjunta como um "banho de água fria" para o chefe de Estado ucraniano. Apesar de apoiar o curso pró-Ocidente que Kiev vinha dando à sua política externa, Merkel rejeitava uma rápida aproximação da Ucrânia à Otan e à União Europeia.
O sucessor de Yushchenko, Viktor Yanukovytch, nunca visitou Merkel. Berlim sempre fez questão de manter distância de sua política autoritária.
Neste sábado (23/08), a chanceler alemã faz sua segunda visita oficial a Kiev. Também desta vez, só permanecerá apenas algumas horas, mas sua passagem pela capital ucraniana ocorre agora sob circunstâncias bem diferentes. O país vive a pior crise em sua história. Há poucos meses, a Rússia anexou a península da Crimeia, e confrontos entre separatistas e tropas do governo persistem no leste ucraniano, deixando um rastro de morte e destruição.
Os contatos entre Berlim e Kiev estão mais intensos do que nunca. O novo presidente ucraniano, Petro Poroshenko, já esteve duas vezes na capital alemã – uma antes e a outra depois de sua eleição, em maio passado. Ele se encontrou com Merkel em 6 de junho, na Normandia, durante as celebrações do Dia D (data do início da ofensiva dos Aliados na Europa, na Segunda Guerra Mundial), e na cúpula da UE, no fim do mesmo mês. Merkel e Poroshenko se falam por telefone a cada dois dias.
Momento simbólico
O momento da visita de Merkel é percebido por Kiev como um forte gesto simbólico. Ela desembarca na véspera da comemoração da independência da Ucrânia. O ministro do Exterior Pavlo Klimkin classifica a viagem de Merkel como "única". O cientista político Olexyi Haran, da Academia Mohyla, em Kiev, concorda. "Simbolicamente esta é uma data importante e sublinha com quem a Alemanha está sendo solidária."
Ele ressalta que uma outra data histórica está ligada à visita: os 75 anos do assim chamado "Pacto Hitler-Stalin". Em 23 de agosto de 1939, foi assinado em Moscou um protocolo sigiloso, adicional ao tratado de não agressão entre a Alemanha nazista e a União Soviética, selando a divisão do Leste Europeu.
"Pode até ser coincidência, mas será sem dúvida uma visita histórica", afirma Haran, acrescentando que anteriormente, na Ucrânia sob influência russa, havia muita crítica à política de Berlim. "E agora vemos que a postura alemã mudou por causa da agressiva política russa do presidente Vladimir Putin."
Receios mútuos
O recente encontro entre Merkel e Putin, na final da Copa do Mundo no Brasil, em julho, gerou indignação na Ucrânia. Muitos ucranianos participara de uma campanha contra Merkel nas redes sociais. Espalharam-se pela internet dezenas de fotomontagens com a imagem da premiê e a legenda "Obrigado, Frau Ribbentrop" – em referência ao ministro nazista do Exterior Joachim von Ribbentrop, que assinou o "Pacto Hitler-Stalin".
Pouco depois, uma notícia divulgada pela imprensa britânica também causou celeuma na Ucrânia: a Alemanha estaria trabalhando com a Rússia num plano para encerrar os confrontos no leste da Ucrânia e, em troca, o Ocidente reconheceria a anexação da Crimeia pela Rússia. Antes da visita de Merkel, alguns veículos da imprensa ucraniana avisavam sobre um "Pacto Merkel-Putin".
Berlim desmentiu tais suposições, mas a desconfiança em Kiev permanece. Por isso, especialistas como Olexander Sushko esperam da visita de Merkel um "sinal claro de que Berlim e Kiev agirão solidariamente por uma solução para o conflito no leste da Ucrânia", afirmou o diretor do Instituto de Cooperação Euroatlântica em Kiev.
Esperança de ajuda financeira
Importante agora é definir quais são as posições comuns, antes do encontro entre a Rússia, Ucrânia e União Europeia, marcado para a próxima terça-feira em Minsk, capital de Belarus. "É impossível congelar o conflito sem garantir a segurança da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia", enfatiza Sushko. Se isso não acontecer, os separatistas continuarão recebendo suprimentos através da fronteira.
De acordo com o diretor do Instituto de Cooperação Euroatlântica, não menos importante é a certeza de uma ajuda financeira concreta por parte da Alemanha. "Uma instituição poderia, por exemplo, assegurar o repasse de investimentos estrangeiros para a Ucrânia", sugere.
O governo em Kiev também espera ajuda alemã para fornecimento de energia. Devido a uma disputa de preços, a Rússia cortou o fornecimento de gás para a Ucrânia. Não se descarta que Poroshenko solicite a Merkel a participação de empresas alemãs nos gasodutos do país. Há pouco tempo, o Parlamento ucraniano autorizou uma privatização parcial dos gasodutos. A esperança em Kiev é que, desta maneira, também se consiga amenizar o conflito russo-ucraniano em torno do gás.