Especialistas descartam caos na Rio 2016 por zika e H1N1
11 de abril de 2016As filas nos hospitais e clínicas particulares de vacinação, a corrida por repelentes, remédios e álcool gel nas farmácias, além da febre de mensagens de alerta pelo Whatsapp são sinais de que o país passa por um período difícil na saúde.
"O sistema público está sobrecarregado porque, não bastasse a zika, que é uma doença desconhecida em todo lugar, veio a antecipação de uma epidemia de inverno [de H1N1] em pleno verão", explica o infectologista Marcos Boulos, para quem a atual conjunção de doenças transmissíveis no Brasil "não é brincadeira".
"Para nós foi uma surpresa muito grande", admite Boulos, que também é coordenador de controle de doenças da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
Apesar disso, especialistas consultados pela DW Brasil, inclusive Boulos, afirmam que surtos de dengue, zika, chikungunya e, mais recentemente, H1N1 não devem ter um impacto significativo na realização dos Jogos Olímpicos, em agosto, no Rio de Janeiro.
Para eles, a situação atual é grave, mas deve melhorar nos próximos meses por motivos climáticos e epidemiológicos. Especialistas também ressaltam que o Rio de Janeiro, especialmente os locais frequentados por turistas e atletas, foram menos afetados pelas doenças.
"Não tem cabimento falar em caos nas Olimpíadas, isso é ser catastrofista. Na época da Copa do Mundo fizeram esse cálculo trágico para a dengue. Isso é tolice, nada aconteceu", afirma o infectologista e imunologista Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina da USP.
O próprio Ministério da Saúde admite a dificuldade de lidar com os surtos simultâneos, mas também tem uma expectativa de que a crise deve ser amenizada.
"Há uma probabilidade grande de o sistema ficar saturado na medida em que a epidemia de gripe, tendo começado agora, ainda coincidirá com o período de maior transmissão de dengue, zika e chikungunya. Mas é pouco provável que isso aconteça no período das Olimpíadas", diz o diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis do ministério, Cláudio Maierovitch.
H1N1
Desde o início de março houve um aumento no número de casos graves ligados ao vírus H1N1, principalmente no estado de São Paulo, onde 55 pessoas morreram da gripe. No país foram 71 óbitos, contabilizados até 26 de março. O número é quase o dobro do registrado em todo o ano passado.
O vírus começou a circular antes do esperado, pegando a população e as autoridades desprevenidas. Assustados, paulistanos correram para clínicas particulares de vacinação, onde as doses da vacina se esgotaram. O remédio Oseltamivir (Tamiflu) também está em falta nas farmácias devido à alta demanda fora de época. Pronto-socorros na capital ficaram lotados de pacientes, que esperavam horas para serem atendidos.
O aumento de casos fez com que estados afetados, como São Paulo, Goiás e Santa Catarina, antecipassem a campanha de vacinação, voltada para grupos de risco, como gestantes, idosos, crianças menores de 5 anos e portadores de doenças crônicas. A campanha nacional começa em 30 de abril.
Segundo os especialistas, entretanto, o surto não é alarmante, especialmente quando comparado a países europeus ou aos Estados Unidos, por exemplo. "A epidemia de H1N1 não é mais grave do que em outros países, pelo contrário. Todos os anos tem morte na Europa e nos EUA por gripe, isso é normal. O que temos que ficar atentos é se o vírus é diferente e se a taxa de mortalidade é maior do que a esperada, o que não está acontecendo", afirma Kallás.
O infectologista avalia que há uma certa "histeria coletiva" em relação à gripe, o que só piora o quadro da saúde pública. "Muita gente fez estoque em casa e tomou o Tamiflu sem necessidade. O remédio só é útil em situações especiais." Os especialistas acrescentam que o remédio está em falta nas farmácias, mas não no sistema público.
Segundo Maierovitch, do Ministério da Saúde, 2015 foi um ano atípico, com poucos casos da gripe, e não serve de comparação. "O que nós tivemos em 2016, por enquanto, foi uma antecipação dos casos, ocorrida no estado de São Paulo. Pode ser que isso signifique uma temporada mais intensa, como em 2013. É isso que nos preocupa", afirma.
O diretor ressalta que ainda não é possível saber como o surto vai evoluir nos próximos meses porque a temporada está no início. Mesmo num cenário negativo, infectologistas afirmam que o Rio de Janeiro, até por ter invernos mais amenos, não costuma ser tão afetado por epidemias de gripe. Até agora há dois casos de morte por H1N1 no estado.
Zika
Já uma epidemia de zika durante os Jogos Olímpicos é vista com mais temor pelos especialistas, que consideram o vírus a principal razão para o avanço da microcefalia no país. Segundo o último boletim do Ministério da Saúde, há 4.046 casos suspeitos de microcefalia no Brasil. Os estados com maior número de casos em investigação são Pernambuco (1.210), Bahia (670), Paraíba (417) e Rio de Janeiro (308).
"As doenças relacionadas ao aedes são mais preocupante, até porque são viroses novas também para muitos turistas", comenta o virologista e professor da UFRJ Amílcar Tanuri, cuja equipe descobriu, em fevereiro, o vírus zika nos cérebros de dois bebês com microcefalia, num estudo pioneiro no Brasil.
Assim como outros especialistas, Tanuri não acredita que a situação será grave durante os Jogos Olímpicos porque as baixas temperaturas do inverno costumam diminuir a infestação de mosquitos e a transmissão dessas doenças.
"Problema vai ter. Pessoas vão ser infectadas. Mas, por conta da questão sazonal, não será crítico", explica. Os especialistas admitem que, caso haja um inverno excepcionalmente quente, a incidência das doenças pode aumentar. "É imprevisível, mas geralmente o pico epidêmico não ocorre nessa época", diz Tanuri.
Alguns infectologistas também afirmam que o esforço de combate ao mosquito, intensificado após os casos de zika, pode dar bons resultados. Além disso, eles argumentam que a curva epidemiológica da doença não costuma ser tão prolongada.
"Elas duram aproximadamente quatro meses. Então pela dinâmica dos picos epidêmicos, não enfrentaríamos um grande problema no meio do ano no Rio de Janeiro. Poderia sim, enfrentar no ano que vem, novamente", diz Kallás. Boulos concorda. "Não dá para dizer que não vai ter. Mas a situação vai ser bem mais tranquila do que no início do ano."
Os infectologistas lembram também que o Rio de Janeiro não é o foco da atual epidemia de zika, concentrada no Nordeste. Outro argumento é que o governo fará um combate intensivo aos focos e criadouros nos locais das competições.
Mesmo assim, os infectologistas recomendam aos turistas usar repelentes e roupas que cubram pernas e braços, para evitar picadas de mosquitos. Já para prevenir a gripe, aconselham seguir as orientações de higiene, como lavar sempre as mãos, além de recorrer à vacina em caso de pessoas em grupo de risco.