Especialistas criticam TSE por proibir uso do Twitter antes da campanha
19 de março de 2012No dia 7 de outubro, os eleitores brasileiros vão escolher prefeitos, vice-prefeitos e representantes das Câmaras Municipais. De acordo com a legislação brasileira, a propaganda eleitoral só começa no dia 6 de julho. Qualquer manifestação que configure propaganda política antes desse período é considerada ilegal e passível de punição.
Foi com base principalmente nesse argumento que os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram ampliar a proibição também para perfis de candidatos em redes sociais. Na decisão divulgada na última semana, o alvo foi o Twitter: o candidato que usar sua conta no microblog – entendido pelos magistrados como meio de comunicação social – para fazer propaganda será multado.
A população não é afetada pela regra. O presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, disse, ao anunciar o resultado do julgamento, que "os cidadãos que não estiverem envolvidos no pleito eleitoral podem se comunicar à vontade".
Alguns políticos já manifestaram interesse em questionar, no Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade da decisão do TSE. O presidente do PPS, deputado Roberto Freire, escreveu em seu perfil no Twitter que o partido pretende entrar com a ação ainda nesta terça-feira (20/03).
O pesquisador Marcello Barra, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, declarou à DW Brasil que a decisão privilegia os candidatos que já exercem cargos eletivos. "É uma decisão antidemocrática porque favorece os parlamentares que já estão nos cargos. Dá mais chance para aqueles que já foram eleitos”, avaliou.
A decisão do TSE se aplica apenas a candidatos. Políticos que ocupam cargos e vão se candidatar nas próximas eleições acabam caindo numa brecha da lei: eles podem usar suas contas no Twitter para falar de seus projetos e ações, indiretamente fazendo campanha.
Além disso, "cada tecnologia deve ser vista na sua especificidade, na sua lógica própria", disse Barra, fazendo referência à aplicação de uma regra criada para os veículos de massa.
Divergências na votação
A relatora do processo que originou a decisão, ministra Fátima Andrighi, escreveu, em seu voto, que não há "semelhança entre o uso da ferramenta de divulgação [o Twitter] com as entrevistas realizadas pelos meios de comunicação social, as quais partem de um interesse social previamente identificado pelo órgão de imprensa que busca a informação e a transmite para a sociedade”.
Para ela, o Twitter representa um caminho inverso: “o usuário é que seleciona o que considera como interessante e leva ao conhecimento da sociedade suas mensagens”.
O argumento da relatora foi compartilhado por outros ministros do TSE, que acabaram votando contra a proibição, como Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Gilson Dipp, que considerou que o Twitter não se enquadra na categoria de meio de comunicação de massa.
No voto, ele escreveu que “não há no Twitter a participação involuntária ou desconhecida dos seguidores. Não há passividade das pessoas nem generalização, pois a mensagem é transmitida para quem realmente deseja participar de um diálogo e se cadastrou para isso”.
O consultor em estratégias de marketing digital Nino Carvalho, da Fundação Getúlio Vargas, considera que o Twitter não pode ser comparado ao rádio ou à televisão, meios que não permitem o mesmo nível de interação possível na rede mundial de computadores.
"A TV, o rádio e a revista – veículos que estavam contemplados no relacionamento do eleitor antes da internet – são meios de comunicação porque mostram a instituição, a marca, o político falando com seu público numa via de mão única, sem qualquer tipo de interação", argumentou Carvalho, em entrevista à DW Brasil.
Para ele, as ferramentas digitais, com a característica da interação, têm potencial para serem usadas para a construção de leis, propostas e políticas públicas. "A Islândia, por exemplo, recentemente remontou a sua Constituição com a ajuda dos cidadãos que falavam nas redes sociais, especialmente no Facebook", disse Carvalho.
Ele fez referência à iniciativa do governo islandês de usar o Facebook para coletar opiniões de indivíduos e montar uma proposta de reforma da Constituição. Através dessa técnica – conhecida como crowdsourcing –, o governo coletou 3.500 sugestões de internautas.
O uso construtivo das redes sociais poderia ser aplicado também no Brasil, opina Carvalho. Para ele, os próprios usuários da internet são capazes de separar as propagandas das informações que estimulam o diálogo. "Os internautas estão cada vez mais conseguindo identificar as mensagens meramente comerciais – essas são cada vez menos acessadas", disse. Isso promove uma "seleção natural", que poderia ser aplicada à política. "Alguns vão continuar a utilizar os meios digitais para autopromoção, sem escutar os cidadãos, mas eles vão acabar indo por água abaixo", alertou.
O pesquisador Marcello Barra concorda. Para ele, é preciso deixar a seleção por conta do usuário.
Caso original: Deputado Índio da Costa
A decisão é recente, mas o caso que a motivou é de 2010. Naquele ano, o ex-deputado federal Índio da Costa era candidato a vice-presidente na chapa de José Serra, do PSDB, e usou a sua conta no Twitter para convocar eleitores. Segundo denúncia do Ministério Público – que originou a ação no TSE –, o uso da rede social fora do prazo da campanha configurava propaganda irregular e o ex-candidato deveria ser punido.
Segundo o TSE, a denúncia fazia referência às seguintes mensagens: "A responsabilidade é enorme. Mas conto com o seu apoio e com o seu voto. Serra Presidente: O Brasil pode mais. Vou dar tudo de mim. Vamos para as ruas eleger Serra Presidente. A mobilização aqui na rede fará a diferença, conto com você. Juntos aqui na rede faremos a diferença."
Depois de inúmeros recursos, sessões interrompidas e análises do processo, os ministros do TSE decidiram manter a multa de R$ 5 mil a Índio da Costa, o que acabou ampliando a decisão para todos os candidatos das eleições deste ano.
Autora: Ericka de Sá, de Brasília
Revisão: Alexandre Schossler