Elnaz Rekabi é recebida como heroína por multidão em Teerã
19 de outubro de 2022A escaladora iraniana Elnaz Rekabi foi recebida nesta quarta-feira (19/10) como heroína por uma multidão no aeroporto de Teerã, depois de ter disputado com a cabeça descoberta o Campeonato Asiático da Federação Internacional de Escalada Esportiva.
Elnaz Rekabi, de 33 anos, terminou em quarto lugar a competição, realizada no domingo em Seul, na Coreia do Sul, quando disputou a final com cabelo solto, depois de ter competido nas eliminatórias com a cabeça coberta.
O gesto da atleta foi interpretado como uma demonstração de apoio às mulheres iranianas que protestam há um mês contra a obrigatoriedade do uso do hijab após a morte de Mahsa Amini, em 13 de setembro, após ter sido detida acusada de desrespeitar o severo código de vestuário feminino iraniano.
A jovem curda, de 22 anos, morreu três dias após ser detida pela polícia da moralidade em Teerã, por ter alegadamente infringido as leis da república islâmica, em particular o uso do véu, ao supostamente usar a peça sem cobrir todo seu cabelo.
Na terça-feira, o governo iraniano tinha negado que Rekabi tivesse sido detida e obrigada a regressar ao país depois da competição, apesar de a embaixada do Irã na Coreia do Sul ter confirmado o voo durante o dia.
Paradeiro desconhecido
"Elnaz é uma heroína", gritaram dezenas de pessoas reunidas na manhã desta quarta-feira diante do aeroporto de Teerã, para receber a jovem efusivamente e com aplausos, enquanto erguiam celulares para filmar a chegada dela.
A atleta desembarcou com a cabeça coberta por um capuz e um boné, foi recebida por sua família e depois se dirigiu à mídia estatal.
Do lado de fora, ela teria entrado numa van que foi conduzida lentamente pela multidão, que a aplaudiu. Não está claro para onde Rekabi foi levada em seguida.
O serviço persa da BBC citou uma "fonte informada" anônima, segundo a qual oficiais iranianos teriam apreendido tanto o passaporte quanto o celular de Rekabi.
O site IranWire, fundado pelo jornalista iraniano-canadense Maziar Bahari, sugeriu que Rekabi poderia ser imediatamente levada à prisão iraniana de Evin, que detém dissidentes. No último fim de semana, um incêndio no presídio matou pelo menos oito detidos.
Declarações sob pressão?
Quando chegou ao aeroporto em Teerã, a escaladora reiterou o que havia dito no Instagram anteriormente – que competir sem o véu foi algo "completamente não intencional" e acrescentou que seu retorno ao Irã ocorreu conforme o programado.
"Por causa do clima na final da competição e do fato de ter sido convocada inesperadamente, fiquei confusa com meu equipamento técnico e isso me fez esquecer do hijab", justificou.
"Estou voltando ao Irã em paz, em perfeita saúde e de acordo com meus planos. Peço desculpas ao povo iraniano pelas tensões que isso criou", disse, acrescentando que não tinha intenção de deixar a seleção.
Os comentários confirmam uma mensagem postada na terça-feira em sua conta do Instagram, na qual ela se desculpou por "qualquer preocupação" que possa ter causado e disse que a decisão de retirar o véu "não foi intencional", mas porque ela foi chamada para competir antes do previsto.
Ativistas, porém, apontam que as declarações de Rekabi podem ter sido feitas sob pressão, uma vez que o governo iraniano costuma ser acusado por pressionar, rotineiramente, ativistas dentro e fora do país, divulgando pela imprensa estatal o que grupos de defesa dos direitso humanos chamam de "confissões coagidas".
Preocupação com Rekabi
Grupos de direitos humanos expressaram preocupação com sua situação após reclamações dos amigos da atleta, que disseram não ter conseguido contatá-la. No entanto, em comunicado enviado à AFP, a embaixada iraniana em Seul negou "qualquer informação falsa e desinformação" sobre a situação dela.
"Foi uma recepção digna de uma heroína, feita em parte também por mulheres sem o véu obrigatório, no exterior do aeroporto. No entanto, as preocupações com a sua segurança permanecem", advertiu a organização não governamental Centro de Direitos Humanos no Irã, sediada em Nova York.
Em uma primeira fase da competição, a atleta apareceu com uma bandana, mas na fase seguinte, ela usou uma faixa na cabeça, deixando o cabelo descoberto.
Protestos no Irã continuam
Enquanto isso, os protestos no Irã entraram em sua quinta semana. Mais de 100 pessoas, incluindo crianças, foram mortas nas manifestações, que começaram no mês passado, segundo grupos de direitos humanos.
A onda de protestos tem sido um dos maiores desafios para os líderes religiosos do Irã desde a revolução de 1979, com manifestantes exigindo a queda da República Islâmica. Em 2009, o país também foi sacudido por protestos após controversa eleição presidencial.
md (EFE, AFP, Lusa, AP, Reuters)