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Equipes de combate a queimadas são obrigadas a se retirar

22 de outubro de 2020

Com incêndios em alta, justificativa do Ibama é falta de recursos. Servidores criticam má gestão e lamentam abandono do trabalho de campo que, segundo especialistas, poderia ser custeado por Fundo Amazônia.

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Floresta pega fogo na Amazônia
Na Amazônia, os focos de calor nos primeiros 21 dias de outubro já superam o total do mesmo mês em 2019, uma alta de 67%Foto: Christian Braga/Greenpeace

Desde as primeiras horas desta quinta-feira (22/10), as equipes de campo do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) que atuam contra as queimadas em todo o país começaram a desmobilizar suas operações em andamento.

A ordem veio de um despacho emitido na noite anterior e assinado por Ricardo Vianna Barreto, chefe do Prevfogo. "Determino o recolhimento de todas as brigadas de incêndio florestal do Ibama para as suas respectivas bases de origem (…), onde deverão permanecer aguardando ordens para atuação operacional em campo", diz o documento.

A suspensão das atividades não significa que o fogo foi controlado. Pelo contrário, dados atualizados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que os biomas continuam em chamas.

Na Amazônia, os focos de calor registrados nos 21 primeiros dias de outubro (7.855) já superaram o número de todo esse mês no ano passado (13.106), um aumento de 67%. A mesma tendência é observada no Cerrado (48%) e no Pantanal (11%).

A justificativa do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, para a suspensão das atividades é falta de dinheiro.

"Estamos impossibilitados de dar quitação aos valores pendentes, sendo que todas as solicitações estão sendo contabilizadas por ordem cronológica pela Coordenação-Geral de Orçamento e Finanças (CGFIN), para dar andamento na urgência requerida, tão logo haja liberação dos recursos", diz o documento anexo ao despacho, datado de 10 de setembro.

A reação foi imediata. "Embora o argumento para a decisão de retirada dos brigadistas seja a falta de recursos, de acordo com o Portal da Transparência dos R$ 1,7 bilhão previstos para o Ibama somente R$ 929 milhões (54%) foram gastos, faltando 2 meses para o fim do ano", rebateu a Associação dos Servidores do Ibama no estado de Tocantins.

Segundo os servidores, o abandono do trabalho que estava sendo realizado traz um dano incalculável. Na Ilha do Bananal, por exemplo, maior ilha fluvial do mundo, as chamas ameaçam o Parque Nacional do Araguaia e terras indígenas, como a Parque do Araguaia e a Inãwébohona.

Má gestão

Servidores de outros estados ouvidos em condição de anonimato pela DW Brasil relatam problemas relacionados à má gestão dentro do órgão. Além de contratos atrasados, as condições dos veículos próprios usados em combate são críticas, e muitos estão parados por falta de combustível.

"Em Tocantins, o pagamento das contas de água e energia está atrasado em três meses. Os brigadistas, além de serem mal remunerados pelo relevante serviço que prestam, estão praticamente financiando do próprio bolso as atividades do Ibama, uma vez que muitos deles estão em campo desde o mês de agosto sem receber diárias que se destinam à alimentação das equipes", diz a nota da Associação dos Servidores do Ibama no estado.

No Cerrado, um brigadista ouvido pela reportagem narra as dificuldades de quem atua na combate direto às queimadas. Segundo ele, muitas vezes não há fonte de água natural por perto da região atingida. Sem equipamentos adequados à disposição, eles usam apenas abafador e soprador. A bomba d'água que carregam, de 20 litros, é mais usada para matar a sede dos trabalhadores que enfrentam as altas temperaturas.

"É um trabalho arriscado. Qualquer deslize, o brigadista perde a vida", diz o servidor, que estava em sua base,enquanto aguardava uma equipe que combatia o fogo retornar do campo numa área sem comunicação por telefone.

"Dinheiro tem, o que não tem é governo"

Para Márcio Astrini, do Observatório do Clima, a notícia do encerramento das atividades só não é mais espantosa por vir do governo Bolsonaro. "Estamos com recordes de incêndios florestais na Amazônia e no Pantanal, que vive sua pior situação da história", afirmou à DW.

Mesmo antes do início da temporada da seca, o número de focos de calor no Pantanal já estava acima da média e subiu mais de 217% em relação a 2019 até agora. Os incêndios já destruíram 25% de todo o bioma.

"A justificativa usada pelo governo de falta de dinheiro é falsa. Dinheiro tem, o que não tem é governo", argumenta Astrini. "No Fundo Amazônia há mais de R$ 1,5 bilhão parados que o governo não usa por simples extremismo ideológico, por raiva de controle social da forma como o fundo funciona", exemplifica.

Segundo a governança do fundo, o comitê, que inclui membros de associações da sociedade civil, teria que se reunir para decidir sobre a aprovação dos projetos. Desde que Bolsonaro assumiu, não houve mais reuniões. "Os projetos aprovados poderiam ser de combate às queimadas, inclusive com dinheiro indo para o governo", diz Astrini.

Mesmo para outubro, quando é esperada uma trégua na seca com a aproximação das chuvas, o cenário é preocupante. "Os números de focos de calor mostram que, apesar do início das chuvas, o mês de outubro segue acima do que foi o ano passado", analisa Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro e Vida (ICV).

"E dentro desse cenário, a atuação das brigadas e frentes de combate ainda é necessária para mitigar a catástrofe. Além do combate, existe a importância do trabalho do Ibama no levantamento das informações periciais para responsabilização dos infratores", adiciona Silgueiro.

Consultado, o Ibama não informou quantas equipes do Prevfogo estavam em campo e qual o possível impacto do encerramento das atividades de combate nesse momento crítico.