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Epidemia de dengue chega à grande imprensa alemã

Marcio Weichert11 de março de 2002

Site da principal revista do país publica relato bem humorado de correspondente, contando o desleixo e a falta de seriedade das autoridades da cidade e do estado do Rio de Janeiro no combate à dengue.

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Spiegel Online: "As verbas para o combate à doença foram encurtadas e parte do dinheiro desapareceu, como acontece com freqüência"Foto: AP

Foi através da visita do príncipe Charles ao Rio de Janeiro que os meios de comunicação alemães começaram a despertar para a epidemia de dengue no Rio de Janeiro. A partir de comunicados de agências de notícias, jornais registraram que, diante da disseminação da doença, a preocupação com a criminalidade quase passou para segundo plano na visita do herdeiro do trono britânico à ex-capital brasileira.

No último fim de semana, o site da revista Der Spiegel, a mais prestigiada da Alemanha, publicou um grande artigo sobre a dramática situação no Rio. O texto, porém, é fora do comum para o jornalismo alemão. Com uma narrativa em primeira pessoa, contagiada pelo humor tupiniquim, o alemão Matthias Matussek conta como a doença se proliferou, como ela alterou a vida dos habitantes e como Fidel Castro tornou-se a grande esperança de salvação.

Matussek começa seu artigo "Os vermes milagrosos do velho revolucionário" contando que tentava convencer sua esposa que não havia motivos para deixar o Rio, enquanto ela arrumava as malas para um exílio na casa de praia, a duas horas da capital do estado. "O mais importante em epidemias como esta é não entrar em pânico", aconselhava o autor, apesar de ter a seu lado um jornal anunciando que até maio deverá haver mais de um milhão de pessoas infeccionadas pela dengue.

"Burocratas da saúde municipal e governo estadual ficaram tirando sarro com o outro"

Mais adiante, ele informa que o risco de uma epidemia não foi levado a sério pelas autoridades, nem pela imprensa, ele inclusive. "Eu confesso: eu pertenço, como muitos, aos recalcados. O primeiro romper da epidemia de dengue foi tratado pelos jornais mais como uma divertida escaramuça política. Burocratas da saúde municipal acusavam o governo estadual, e ambas as partes ficaram tirando sarro com o outro. As verbas para o combate à doença foram claramente encurtadas e parte do dinheiro desapareceu, como acontece com freqüência", narra o correspondente do Spiegel Online.

Mais à frente, Matussek insinua que as medidas de prevenção e as campanhas de esclarecimento foram "modestas" enquanto as vítimas vinham em sua maioria dos bairros pobres, onde "as condições de higiene são miseráveis". Ironicamente, ele acrescenta em seguida que o Aedes agypti é um mosquito "democrático", sem fazer distinção entre pobres e ricos, depositando seus ovos tanto nos pneus velhos "que seguram os telhados dos barracos nas favelas", quanto nas bromélias "nas varandas verdes de Ipanema e nos jardins de Botafogo".

Segundo o jornalista, desde que o raio de ação dos mosquitos da dengue passou de 150 metros, em 1991, para 500 metros este ano, "ninguém mais está seguro" na cidade em que miseráveis e ricos "se entrelaçam como dedos de duas mãos".

"Repelente em todo o corpo, a cada meia hora; o resto é loteria"

Novamente usando de bom humor, Matussek narra que ainda insistia em convencer sua esposa a não ir para a casa de praia, alegando que "a infecção de dengue é como gripe, fica-se dois dias abatido e tem-se um pouco de febre", quando "para meu azar chegou o técnico de telefones, que periodicamente conserta nossa defeituosa linha telefônica. Ele acabara de superar um ataque de dengue. Havia emagrecido dez quilos e tinha sombras violetas sob os olhos. Ele parecia ter estado cara-a-cara com a morte".

Nas próximas linhas, o correspondente informa que o número de mortos por dengue no Rio este ano já supera o total da epidemia anterior, em 1991, e que o prefeito trocou a prefeitura por um escritório improvisado no Planetário, localizado num bairro "menos contaminado".

Matussek relata a nova rotina de preocupações criada com a epidemia. Todos os dias, examinar os filhos ao chegar do colégio, em busca de pontos vermelhos na pele. Observar sangramentos no nariz. Passar repelente no corpo "a cada meia hora, da cabeça aos pés". E avisa: "O resto é loteria."

"Os vermes cubanos odeiam apenas a dengue, assim como um bom revolucionário seu inimigo de classe"

O autor volta a falar de política quando explica que São Paulo permanece poupada pela epidemia. "Lá, a prevenção funciona claramente melhor, há mais recursos à disposição, o que já levou à formulação de uma teoria da conspiração", conta o jornalista, referindo-se ao fato de o ministro da Saúde, José Serra, ser um paulista. E conclui: "Os brasileiros tendem à teoria da conspiração para desculpar sua própria negligência. Neste caso, não há desculpas para desleixos e escândalos feitos em casa."

Os leitores de Spiegel Online ficam sabendo ainda que "o mosquito da dengue pode ser democrático, mas não o tratamento a sua infecção". O autor informa sobre o fechamento dos postos de saúde na pobre Zona Oeste do Rio e da recusa de hospitais particulares em atender a população miserável.

Ao encerrar seu relato, Matussek conta que "as esperanças agora estão depositadas em Fidel Castro". Governada pelo ex-guerrilheiro, Cuba enviou 50 milhões de vermes para a cidade de Niterói, vizinha ao Rio. Os vermes se alimentam das larvas do mosquito. "Eles são a bioguerrilha contra a dengue. Tudo o mais eles deixam em paz. Pelo visto, eles odeiam apenas a dengue, assim como um bom revolucionário seu inimigo de classe."