Os argumentos da acusação e da defesa no impeachment
5 de abril de 2016Os trabalhos da comissão que analisa o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff vão entrar em ritmo acelerado nos próximos dias. Nesta segunda-feira (04/04), o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, apresentou a defesa do governo. Agora, a expectativa é que o relator Jovair Arantes (PTB-GO) apresente suas conclusões até no máximo quinta-feira. Nesse ritmo, o relatório poderá ser votado a partir do dia 11 de abril.
Após uma série de especulações e reviravoltas, a comissão deve analisar apenas uma parte das denúncias do pedido de impeachment apresentado no ano passado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. Por ora, estão de fora acusações relacionando Dilma com a corrupção na Petrobras e problemas nas contas do seu primeiro mandato (2011-2014). Uma tentativa dos autores de incluir a delação do senador Delcídio do Amaral no pedido também não prosperou.
No momento, o cerne da acusação contra Dilma envolve a possibilidade de que ela cometeu crime de responsabilidade durante a gestão das contas do governo em 2015, quando seu mandato atual já havia começado.
O crime de responsabilidade pode justificar um processo de impeachment, segundo a Constituição. A questão que divide os adversários e defensores do governo é se as irregularidades apontadas efetivamente embasam a acusação.
O que dizem as acusações
Essencialmente, os autores do pedido de impeachment afirmam que o governo cometeu duas irregularidades na gestão das contas de 2015: as chamadas "pedaladas fiscais" e a emissão de decretos de crédito suplementar sem pedir autorização ao Congresso. Para o grupo, essas ações são suficientes para caracterizar o crime.
A denúncia sobre a emissão se refere à publicação de decretos que abriram crédito extra para algumas despesas do governo. Como o orçamento é elaborado muitas vezes meses antes da execução, é corriqueiro que muitos programas acabem recebendo dotação menor do que o necessário. Para compensar, ministérios e outros órgãos podem pedir um crédito suplementar.
Em 2015, o governo editou uma série de decretos do gênero, mas os autores se concentraram em seis, que envolveram 2,5 bilhões de reais. A acusação aponta que o governo conduziu as operações sabendo que as contas públicas estavam se deteriorando e que a meta de superávit não seria cumprida. Desse modo, esses seis decretos criaram despesas extras. Segundo a acusação, isso só poderia ter ocorrido com autorização do Congresso.
Já a denúncia envolvendo as chamadas "pedaladas fiscais" envolve uma série de atrasos nos repasses do governo a bancos públicos responsáveis por executar programas federais, como pagamentos para beneficiários do seguro-desemprego ou empréstimos do BNDES.
Todos os meses, o governo envia uma quantia pré-determinada aos bancos para que esses pagamentos sejam efetuados. No caso de valores para beneficiários do seguro-desemprego, por exemplo, não é incomum que os pagamentos acabem superando o valor previamente enviado. Nesses casos, os bancos acabam pagando a diferença e depois cobram ressarcimento do governo.
A partir de 2013, no entanto, o governo começou a atrasar mais e mais a diferença a ser paga. Segundo os autores, esses atrasos permitiram que o Planalto disfarçasse buracos no orçamento, o que resultou na maquiagem das contas que escondeu da população a situação real das finanças públicas, especialmente durante as eleições de 2014.
Os autores também atentam para o fato de que os bancos cobraram juros pelas despesas acumuladas, o que caracterizaria operações de crédito disfarçadas, algo que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (que proíbe empréstimos de bancos públicos ao governo).
Durante uma sessão da comissão de impeachment, os autores do pedido admitiram que esse tipo de operação ocorreu nos governos de Lula e FHC, mas apontaram que elas se tornaram sistemáticas no governo Dilma. Segundo um levantamento do site Aos Fatos, somente levando em conta operações envolvendo a Caixa Econômica entre 2011 e 2015, Dilma "pedalou" 35 vezes mais que FHC e Lula somados.
No momento, o pedido só inclui acusações envolvendo as contas de 2015, já que não há consenso se Dilma pode ser julgada por irregularidades cometidas no primeiro mandato.
Os autores se basearam no relatório de um procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontou que as pedaladas continuaram no primeiro semestre do ano passado e envolveram pelo menos 40 bilhões de reais. Para os três juristas, não importa se o TCU ainda não tenha se posicionado sobre a totalidade das contas de 2015 – o Congresso, por sua vez, não analisou nem mesmo as de 2014.
A defesa do governo
A defesa do governo envolve duas frentes: apontar que não houve crime de responsabilidade na gestão financeira e acusar seus adversários – em especial o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – de tramarem a derrubada de Dilma sem nenhuma base legal.
A parte técnica da defesa foi explorada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Na semana passada ele disse à comissão que os seis decretos de emissão não aumentaram as despesas globais do governo. Segundo o ministro, o que ocorreu foi apenas um remanejamento de gastos já autorizados no Orçamento. Dessa forma, cortes e cancelamentos de outras despesas compensaram áreas que registraram gastos maiores que não haviam sido previstos.
"Nenhum dos seis decretos mencionados no pedido do processo de impeachment modificou a programação financeira de 2015", afirmou. Ainda segundo Barbosa, os autores do pedido confundem gestão do Orçamento com gestão financeira de recursos já previstos.
Sobre as "pedaladas", Barbosa afirmou que o TCU mudou seu entendimento sobre as operações apenas em dezembro de 2015, e que, portanto, a nova posição só poderia ser aplicada daquele momento em diante, não podendo ser usada para analisar contas do primeiro semestre. De acordo com Barbosa, o TCU nunca havia reclamado desses procedimentos nos anos anteriores ou nas administrações de Lula e FHC. "Quando se muda o entendimento de uma regra, a própria segurança jurídica prevê que tenha efeitos para frente", afirmou.
Segundo o ministro, quando o TCU apontou os problemas, o governo prontamente regularizou os pagamentos atrasados, que já passavam de 55 bilhões de reais. Já o ministro Cardozo, da AGU, negou que as operações caracterizam empréstimos. "Se vossa excelência não pagar um funcionário, estarão fazendo um empréstimo? Não, pode ser inadimplência, mas não é uma operação de crédito", afirmou.
Cardozo também questionou se os atos podem ser atribuídos a Dilma. Segundo o ministro, o impeachment de um presidente só pode ocorrer com cabal prova de cometimento de grave irregularidade, o que segundo ele ainda não ocorreu neste caso. Na semana passada, a própria presidente já havia lembrado que o TCU ainda não apontou nenhuma responsabilidade individual pelos problemas.
No aspecto político, Cardozo explorou nesta segunda-feira as motivações do processo e, a exemplo de Dilma, adotou a mesma retórica de acusar um "golpe". "Este impeachment, com base nestes fatos, golpeia a Constituição", afirmou.
Segundo o ministro, Eduardo Cunha aceitou submeter em dezembro o pedido de impeachment por motivos que não têm relação com as acusações. Por essa linha, as ações de Cunha foram uma retaliação à adesão do PT, o partido da presidente, ao pedido de cassação do deputado.
"Cunha usou da sua competência para fazer uma vingança e retaliação à chefe do Executivo", disse Cardozo, apontando ainda que o processo é marcado por um "pecado original".
"O ato de abertura do impeachment está viciado. Esse processo é nulo", afirmou Cardozo, ressaltando que a todo momento os autores do pedido tentaram incluir outras acusações, o que, segundo ele, vem atrapalhando o trabalho de defesa. "Do que é acusada a presidente Dilma? Quando alguém se defende tem saber do que se defende", disse.
O ministro ainda disse que o governo teve seu direito de defesa cerceado ao não ser intimado para todas as reuniões da comissão. "Feriu-se o rito, feriu-se a defesa da senhora presidente."