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Entenda a polêmica que causou anulação do leilão de arroz

12 de junho de 2024

Após suspeitas de irregularidades, governo anula leilão para importação do grão. Medida visava conter alta do cereal após cheia no RS, mas processo foi marcado por críticas da oposição e de ruralistas.

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Terreno com plantas de arroz ainda pequenas parcialmente alagado
Plantação de arroz no Rio Grande do Sul: estado responde por 70% da produção nacionalFoto: Camila Domingues/Palácio Piratini

Nesta terça-feira (11/06) governo federal decidiu anular o leilão realizado na quinta-feira da semana passada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), cancelando assim a compra de 263,3 mil toneladas de arroz – de um total de 300 mil toneladas ofertadas inicialmente.

O evento chegou a ser suspenso na véspera, após recurso judicial de produtores e parlamentares da oposição, mas acabou sendo autorizado pela Justiça Federal. O plano era fazer uma segunda rodada, no próximo dia 13, para adquirir as 36,63 mil toneladas restantes.

As vencedoras do processo receberiam recursos do governo para importar o arroz e entregariam o produto à Conab. O cancelamento foi decidido após suspeitas de irregularidades envolvendo o certame.

O governo justificou a anulação da operação, dizendo ter encontrado indícios de incapacidade técnica e financeira de algumas das empresas vencedoras, afirmando que pretende fazer um novo leilão "mais ajustado" e que publicará um novo edital para importar o arroz.

Novo leilão

Visando evitar novas irregularidades, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) foram chamadas para participar do processo de revisão do novo leilão, para que a análise das empresas participantes ocorra antes da operação.

“O presidente Lula participou dessa decisão de anular esse leilão e proceder um novo leilão, mas aperfeiçoado do ponto de vista de suas regras, por isso que a CGU e AGU participarão, e a Receita Federal também, da elaboração desse novo leilão, juntamente com a Conab para garantir que ele esteja em outras bases”, disse o ministro do Desenvolvimento Agráfio, Paulo Teixeira. "Nós vamos proceder um novo leilão, não haverá recuo dessa decisão tendo em vista que é necessário que o arroz chegue na mesa do povo brasileiro a um preço justo", acrescentou.

O governo tem pressa, e por isso, a publicação do novo edital é esperada já para a próxima semana. 

Preço do arroz em alta

A importação do arroz visa tentar segurar o preço do cereal nos supermercados e compensar perdas na safra provocadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. O estado é responsável por 70% da produção nacional de arroz e já havia colhido 80% do cereal antes das inundações.

Entretanto, a cheia também atingiu grãos estocados e prejudicou o escoamento da produção, por causa da interdição das estradas. As atuais dificuldades de logística para levar o cereal ao resto do país causam encarecimento do frete, impactando no preço final do produto.

Os preços do produto no mercado interno tiveram uma alta média de 14%, chegando em alguns lugares a 100%, após as inundações no Rio Grande do Sul.

Na prévia da inflação de maio, o preço do arroz ao consumidor acumula alta de 25% em 12 meses, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Plano é vender grão por R$ 4 o quilo

O plano do governo é vender o arroz importado ao consumidor final em pacotes de 5 quilos, por preço tabelado de R$ 20 – R$ 4, o quilo –, e com o rótulo padronizado do governo na embalagem. Nos supermercados de SP, o pacote de 5 quilos tem sido vendido atualmente a uma média de R$ 30.

A decisão para importação do arroz já havia sido tomada poucos dias depois do início das cheias. No início de maio, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que a compra do arroz pelo governo visava evitar alta de preços face aos problemas que o Rio Grande do Sul passava para transportar o cereal para o resto do país.

Homem opera trator em plantação alagada
Plantação de arroz em Eldorado do Sul, no RS: associação de ruralistas argumenta que produto não faltará Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

Suspeitas de irregularidade

Foi apontado que três das quatro vencedoras não pertencem ao ramo de arroz ou de importação, o que poderia acabar gerando problemas na operação, de acordo com analistas. Entre as empresas que venceram, constavam uma loja de queijos, uma fábrica de polpa de frutas e uma empresa de locação de veículos e máquinas. Todas elas, entretanto, têm o comércio de produtos alimentícios como atividade secundária.

Segundo Conab, no modelo de leilão que foi realizado, a estatal só sabe quem são as vencedoras após os resultados da operação. Isso ocorreria porque a intermediação das negociações é feita pelas bolsas de cereais.

Suposto favorecimento

O leilão também foi criticado por um suposto favorecimento de empresas ligadas a um ex-assessor parlamentar do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller.  Nesta terça-feira, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, anunciou a saída de Neri Geller do posto. Segundo o ministro, Neri Geller colocou o cargo à disposição do governo e foi demitido.

Oposição e associações de produtores alegam que houve favorecimento no processo de leilão. O ex-assessor nega.

A Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, duas empresas de Robson Luiz Almeida França, ex-assessor de Geller, intermediaram a venda de 44% do arroz adquirido pela Conab. Além disso, outra empresa do mesmo Robson França têm como sócio Marcelo Geller, filho do ex-secretário.

Diante das suspeitas levantadas parlamentares de oposição iniciaram movimentações para investigar o leilão. O deputado federal Luciano Zucco (PL-RS) começou a coletar assinaturas para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) visando apurar as denúncias.

Batalha legal e críticas dos produtores

Mesmo antes de aparecerem suspeitas de irregularidades, o governo já havia enfrentado uma batalha judicial para conseguir colocar em prática seu plano de importar arroz, motivada pela resistência dos produtores e de parlamentares da oposição.

O leilão chegou a ser suspenso pela Justiça na véspera de ocorrer, mas a decisão foi revertida após recurso da AGU.

Associações de produtores rurais criticaram os planos do governo de importar o grão, afirmando existir arroz suficiente para abastecer o país. Eles consideram a medida intervencionista e afirmam que ela constitui um desestímulo à produção nacional. A Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Fedearroz) chegou a pedir o cancelamento do leilão.

O governo respondeu que a questão não é o abastecimento, e sim o preço praticado no mercado interno. "Me perguntaram se não era precipitado. Precipitado é ter lugares onde o arroz aumentou 19%, como foi em Santa Catarina, em um mês – o segundo estado de maior produção no nosso país", afirmou o presidente da Conab, Edegar Pretto.

md (EBC, ots)