Ensino sobre era Stálin na mira do governo russo
27 de julho de 2017Aulas de História sobre o Grande Expurgo, a repressão violenta a opositores na era stalinista, são nocivas, concluíram autoridades russas. Um livro didático que tematiza o assunto foi alvo do Serviço Federal de Supervisão das Comunicações (Roskomnadsor), que classificou a obra de consulta de "prejudicial à saúde das crianças".
Em entrevista à DW, o autor do livro, Andrei Suslov – professor de História na Universidade de Pedagogia e Ciências Humanas em Perm – disse que escreveu o livro didático em 2015 junto a uma colega e que a obra teria sido editada pela organização russa sem fins lucrativos Centro de Educação Política e Direitos Humanos.
"O livro é destinado a alunos das últimas séries e também pode ser aplicado fora do currículo escolar. Ele ajuda os professores a dar aos alunos uma ideia sobre a história do stalinismo e suas consequências", diz o autor. Na obra, são recomendadas excursões a locais relacionados com a repressão política.
Durante o lançamento do livro, a secretária de Educação da província de Perm sugeriu que a obra fosse publicado no site da Secretaria, o que realmente aconteceu. Mas quando a entidade reguladora nacional classificou o livro de "prejudicial à saúde das crianças", ele desapareceu imediatamente da página de internet.
Além disso, o Ministério Público exigiu que o Centro de Educação Política e Direitos Humanos estipulasse, em seu site, a idade mínima de 18 anos para o livro. Em seguida, Suslov e a organização entraram com uma queixa contra a entidade reguladora perante o Tribunal Distrital em Perm.
"Lavagem cerebral"
As autoridades russas interferem com cada vez maior frequência no discurso histórico, influenciadas pela visão do Kremlin de que, após ser abalada por uma crise com o colapso da União Soviética, a Rússia deve ser transformada num "grande Estado".
Para fundamentar essa pretensão ideologicamente, o governo recorre ao stalinismo, defendendo que livros didáticos promovam uma "educação patriótica". Em 2007, o presidente Vladimir Putin mandou imprimir um livro de história em que Josef Stálin – que foi secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética de 1922 a 1953 – é descrito como "o mais bem-sucedido líder soviético de todos os tempos".
Stálin é retratado como patriota e modernizador. O imenso número de vítimas trazido pela coletivização forçada da agricultura, pela industrialização imprudente e também pelo terror em massa nos anos 1930 é minimizado. A ditadura comunista é legitimada segundo o pretexto de que ela foi necessária no contexto da época.
Suslov relatou que ativistas do movimento stalinista Sut vremeni (Questão de Tempo) teriam se posicionado contra o livro e escrito diversas cartas a diferentes órgãos públicos. Em meados de 2016, teria sido encomendado a Dmitri Usun, especialista credenciado pela Roskomnadsor, um parecer sobre a obra, e ele teria chegado à conclusão de que "o livro didático promove sentimentos antissociais e antinacionais".
Pavel Guryanov, do comitê local do movimento Sut vremeni em Perm salientou à DW que saúda a decisão da entidade reguladora russa. "O trabalho do Centro de Educação Política e Direitos Humanos em tais métodos de ensino é somente uma desculpa para as lavagens cerebrais políticas e ideológicas nas crianças em Perm, que ocorre em interesse dos patrocinadores estrangeiros dessa organização", apontou Guyanov.
Culpa do "agente estrangeiro"
No entanto, Suslov, o autor do livro, queixa-se de que o parecer emitido pelo especialista da agência reguladora lhe inflige dano moral, exigindo que a entidade retire o documento de seu site.
"O pessoal de Sut vremeni não pode aludir a isso e afirmar que, enquanto agente estrangeiro, o Centro de Educação Política e Direitos Humanos prejudica a psique infantil", disse o autor.
Na Rússia, organizações sociais podem ser classificadas como "agente estrangeiro" caso recebam financiamento do exterior. Suslov apontou que a Roskomnadsor não chegou nem mesmo a verificar se os especialistas são competentes nas respectivas áreas de atuação.
"Aqui se cria um precedente: tudo pode ser declarado prejudicial à saúde das crianças", continuou Suslov.
Ele disse que o tribunal deferiu o pedido dos queixosos para que uma avaliação do parecer da entidade reguladora, encomendada por Suslov e pelo Centro de Educação Política e Direitos Humanos à organização de especialistas moscovita Laboratório de Linguística Aplicada, fosse anexada ao processo. Segundo a avaliação, a Roskomnadsor excedeu as suas competências e o parecer se baseaou em ideias próprias sobre o que seria a verdade histórica.
Ativistas de direitos humanos criticam autoridades
Alexander Verkhovsky, diretor do Sova, centro moscovita de direitos humanos, afirmou à DW que não haveria uma explicação clara para a ingerência da entidade reguladora na disputa. Segundo Verkhovsky, o órgão seria responsável somente pela regulação da mídia.
"Esta é uma questão que pertence ao domínio da educação. Decidir sobre ela é competência do Ministério da Educação", explicou o diretor do Sova.
Irina Sherbakova, da organização internacional de direitos humanos Memorial, afirmou concordar que existem obras prejudiciais a crianças, mas que isso não se aplicaria ao livro didático de Suslov.
"Prejudiciais são os livros que espalham mitos e mentiras ideológicas", assinalou a ativista em entrevista à DW. Para ela, um "embelezamento da era stalinista" seria algo muito perigoso. Isso, explica Sherbakova, poderia dar a impressão de que estaria permitida qualquer forma de violência contra as pessoas.