Embaixada diz que cunho político motivou fim de apoio a coro
27 de setembro de 2019A Embaixada do Brasil em Berlim negou que o motivo de ter deixado há cinco meses de divulgar um coral especializado em música brasileira na capital alemã tenha relação direta com seu repertório, que inclui canções do compositor Chico Buarque. O órgão argumenta que a decisão se deve à "perda de confiança gerada pela alteração unilateral da programação", por conta de um concerto realizado na sede da representação diplomática.
"A embaixada é representante do Estado brasileiro e se empenha em divulgar a cultura brasileira e sua música, caraterizada pela nossa diversidade, sem discriminação alguma com relação a qualquer artista, o que evidentemente inclui Chico Buarque, um dos expoentes maiores de nossa músicas", ressalta o órgão em nota divulgada nesta quinta-feira (26/09).
O texto diz que "o Brasil é um país democrático, acostumado e respeitoso de manifestações de protesto das mais diversas origens e pelas mais diversas razões, mas é evidente que a embaixada do Brasil não pode ser utilizada como plataforma para o lançamento de programa de protesto contra o governo".
A embaixada reconhece que interrompeu a divulgação das atividades do coral Brasil Ensemble Berlin após abrigar um concerto do grupo em seu edifício no dia 11 de abril. O motivo, segundo a nota, foi uma alteração da programação do espetáculo "sem qualquer consulta à embaixada, na forma do lançamento imprevisto de uma iniciativa de cunho essencialmente político, rompendo claramente o entendimento acordado e o espírito da ocasião".
O show teve um repertório incluindo, entre outras, canções de Chico Buarque da época da ditadura militar, como Cálice e Roda viva.
O clássico de Tom Jobim O morro não tem vez foi apresentado em roupagem renovada, intercalado com um rap com referências ao cotidiano de comunidades pobres e discriminadas, a Marielle Franco, vereadora do Psol assassinada em 2018, e a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.
O evento comemorava os três anos do programa de música brasileira da escola estatal de música berlinense City West, projeto financiado pelo governo de Berlim e que tem o Brasil Ensemble Berlin como seu carro-chefe.
A nota ressalta que "a embaixada sempre valorizou e continua a valorizar atividades desempenhadas em parceria com a escola pública de música City West, acolhendo em diversas ocasiões eventos por ela produzidos".
Publicado na página da instituição, o comunicado também foi enviado pelo setor de imprensa da embaixada à DW Brasil, como resposta direta a um e-mail de 11 de setembro, no qual a reportagem pedia esclarecimentos sobre o caso. A mensagem permanecia sem resposta até então.
A diretora artística do Brasil Ensemble Berlin, Andréa Botelho, nega que tenha havido acordo prévio sobre o repertório apresentado na ocasião. "Vou tentar mais uma vez entrar em contato com a embaixada para tentar retomar o diálogo", afirmou a regente, após tomar conhecimento da nota.
Após o concerto em abril, a representação diplomática apagou de seu site todos os textos sobre o grupo, que oferece aulas regulares gratuitas de técnica vocal e canto, tendo sempre como base a música brasileira.
Botelho diz que a embaixada não lhe comunicou o motivo da decisão e frisa que buscou várias vezes contato com o órgão, sem obter resposta.
Pessoas que estiveram na plateia do show afirmam que, além das músicas do repertório apresentado, não houve discursos ou outros tipos de manifestação política.
"Não queremos assumir posição político-partidária alguma em nosso programa. Mas tomamos posição quando se trata de tolerância, respeito pela diversidade, pela liberdade de expressão e os valores democráticos", destacou o Brasil Ensemble Berlin, em texto lido nesta quarta-feira durante um concerto para uma plateia lotada na Ufa Fabrik, um dos endereços culturais mais conhecidos da capital alemã.
"Embaixada é Estado, não governo"
Atos políticos na embaixada em Berlim não costumavam provocar maiores consequências. No Festival de Cinema de Berlim de 2017, um grupo de cineastas brasileiros leu um manifesto durante uma recepção na representação diplomática com duras críticas ao governo do então presidente Michel Temer. A peça foi divulgada pelos diretores Daniela Thomas, Laís Bodanzky, Julia Murat, Cristiane Oliveira e Felipe Bragança. "A embaixada é Estado, não é governo", ressaltou a diretora Daniela Thomas antes da leitura do texto.
No Festival de Cinema de Berlim deste ano, a tradicional recepção na embaixada foi cancelada. Não foi divulgado o motivo. Houve especulações associando a medida a uma das atrações brasileiras do festival, o filme Marighella. Dirigido por Wagner Moura, o longa retrata a história de Carlos Marighella, guerrilheiro baiano assassinado pela ditadura militar em 1969.
O promotor cultural Leonardo Tonus, professor da Universidade de Sorbonne, concorda com Daniela Thomas. "Uma embaixada tem, sobretudo, a função de representar um Estado, e não um governo", frisa. "A partir do momento em que se torna uma representação governamental, deixa de representar grande parte de sua população e de cidadãos do país", completa.
Curador da participação brasileira do Salão do Livro em Paris em 2015, Tonus lembra que a feira contava com um espaço do governo federal. Dilma Rousseff era a presidente na época. "Nele, vários autores manifestavam críticas abertas ao governo", ressalta.
Ele garante não ter tido problemas nos eventos que já organizou na embaixada do Brasil em Berlim. O último, no ano passado, incluiu uma performance da artista Érica Zíngano com afiadas críticas à gestão de Michel Temer. "A atitude da embaixada foi extremamente respeitosa", destaca. "Não houve nenhum tipo de cerceamento."
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