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Em visita ao Oriente Médio, Biden navega em águas perigosas

Tania Krämer
13 de julho de 2022

Americano inicia sua primeira viagem como presidente à região. Para analistas, visita pode aproximar Israel e Arábia Saudita e isolar ainda mais os palestinos.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden
Em sua turnê de quatro dias, Biden deverá se reunir com israelenses, palestinos e sauditasFoto: Susan Walsh/AP Photo/picture alliance

Dias antes da visita do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à região, bandeiras americanas e israelenses já adornavam as ruas de Jerusalém Ocidental.

A segurança foi reforçada e será extremamente rígida em toda a cidade, para onde mais de 15 mil policiais e voluntários israelenses foram deslocados.

"Toda vez que um presidente americano vem a Jerusalém, é uma grande honra – mas como um jerusalemita, também é um grande incômodo, porque a cidade ficará fechada e não poderemos sair de casa", afirmou o cidadão Avi Avisana.

"Acho muito corajoso da parte dele vir alguns dias depois da troca do primeiro-ministro, isso mostra o quão especial é o relacionamento [com Israel]", completou.

Alterando alianças

O presidente americano, que menciona com frequência sua amizade de longa data com Israel, será recebido pelo primeiro-ministro Yair Lapid, que chefia o atual governo interino.

Apenas duas semanas atrás, o ex-premiê Naftali Bennett – que foi quem convidou Biden a Israel – renunciou ao cargo após seu governo de coalizão entrar em colapso.

Com início em Israel, a turnê do democrata pelo Oriente Médio conta ainda com uma breve parada na Cisjordânia, e em seguida o presidente voa diretamente para a Arábia Saudita.

A última visita de Biden a Israel, ainda como vice-presidente de Barack Obama, ocorreu em 2016. Desde então, a região vivenciou ao menos uma mudança dramática: Israel assinou acordos de normalização das relações com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e outras nações da Liga Árabe – os chamados Acordos de Abraão – durante a gestão do governo Donald Trump.

Mas enquanto Israel e os EUA se consideram aliados próximos, alguns observadores veem o governo americano alterando seus interesses estratégicos para outras áreas.

"Os EUA não podem se permitir se retirarem da região", afirma Ksenia Svetlova, analista política e ex-membro do Knesset (parlamento israelense). "Estamos chegando a um ponto de virada com o Irã." Os aliados americanos na região, acrescenta ela, precisam de "uma América forte e confiante" que "não deixe que seja criado um vácuo aqui para ser preenchido por outras potências".

As preocupações com as ambições nucleares do Irã acabaram estabelecendo um terreno comum entre Israel e vários países do Golfo nos últimos anos.

Em reunião de gabinete no último domingo, o primeiro-ministro interino disse que a visita do presidente dos EUA lidará "tanto com desafios quanto com oportunidades". "A discussão dos desafios se concentrará em primeiro lugar na questão do Irã", afirmou Lapid.

Arábia Saudita via Israel

A viagem de Biden à Arábia Saudita deverá ter muito foco em Israel, com alguns esperando que isso leve a uma reaproximação entre israelenses e o reino árabe.

A Arábia Saudita sempre sustentou que não normalizaria os laços com Israel até que um Estado palestino soberano fosse estabelecido. Mas sem qualquer solução para o conflito israelo-palestiniano à vista, essa postura parece ter se suavizado.

No sábado, o jornal Washington Post publicou um artigo de opinião assinado por Biden intitulado "Por que estou indo para a Arábia Saudita".

Ele destacou que será o primeiro presidente dos EUA a voar diretamente de Israel para a Arábia Saudita, o que chamou de "um pequeno símbolo das crescentes relações e passos em direção à normalização entre Israel e o mundo árabe, que meu governo está trabalhando para aprofundar e expandir".

A visita de Biden à Árabia Saudita também significará uma controversa mudança de política para o presidente americano. Durante sua campanha presidencial, ele chegou a dizer que o país deveria ser tratado como um "pária" por seu histórico de direitos humanos, incluindo o assassinato do jornalista saudita Jamal Kashoggi em 2018.

Mas espera-se agora que o presidente dos EUA amenize essa controvérsia ao se encontrar com líderes regionais reunidos na Cúpula do Conselho de Cooperação do Golfo na cidade saudita de Jidá, e desenvolvendo objetivos comuns em relação a energia, segurança alimentar e a guerra na Ucrânia.

"Era de ouro" para Israel e países árabes

Contudo, a perspectiva de um processo público de normalização entre a Arábia Saudita e Israel ainda parece prematura.

"A boa notícia é que, diferentemente do passado, a Arábia Saudita – que é um Estado-chave muito importante no Oriente Médio – não está mais liderando uma política hostil contra Israel", analisa o major-general Amos Gilead, diretor executivo do Instituto de Política e Estratégia em Herzliya.

Segundo ele, já existem muitos contatos informais entre Israel e Arábia Saudita. "No geral estamos vivendo o melhor período. Eu chamo isso de era de ouro entre nós e os países árabes."

Além disso, a cooperação em segurança cresceu ainda mais desde que o Pentágono transferiu Israel do Comando Europeu dos Estados Unidos (um dos comandos unificados de combate das forças armadas americanas) para o Comando Central em 2021.

Essa mudança colocou os militares de Israel em cooperação – direta ou indiretamente – com outros países árabes, apesar de alguns deles ainda não terem reconhecido Israel oficialmente.

Na expectativa para a visita de Biden, vários relatos na mídia israelense sugeriram o estabelecimento de um "sistema de alerta precoce" ou de uma "aliança de defesa regional" a fim de integrar ainda mais Israel à região.

"Um dos objetivos [da visita] é fortalecer e consolidar uma aliança não declarada e não oficial contra as principais ameaças, no topo delas está o Irã", afirma Gilead.

Encontro com o presidente palestino

Antes de partir para a Arábia Saudita, espera-se que o presidente americano visite brevemente um hospital palestino em Jerusalém Oriental, além de se encontrar com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em Belém na manhã de sexta-feira.

Na cidade palestina, reverenciada como o local de nascimento de Jesus e cuja Basílica da Natividade é um destino bastante popular, os residentes têm sentimentos contraditórios sobre a passagem de Biden. São cada vez menores as perspectivas de um Estado proṕrio e independente, bem como de um fim para a ocupação israelense e a divisão interna palestina.

"O povo palestino realmente precisa disso, porque estamos nos deteriorando e retrocedendo", diz Simon Rishmawi, um estudante palestino de 20 anos. "O mundo não está prestando atenção em nós, ninguém está olhando em nossa direção."

Sentimento semelhante foi expressado pelo colega Miral Assaf, que espera que Biden veja "as realidades" com seus próprios olhos durante a visita. "Há muita distorção na mídia sobre o que está acontecendo aqui", afirma o estudante.

Autoridades palestinas e americanas estão buscando restabelecer as relações que se desintegraram sob o governo Trump. Durante sua gestão, o ex-presidente dos EUA transferiu a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém e fechou o consulado palestino em Jerusalém – rompendo com décadas de política externa de Washington.

Autoridades palestinas apontaram que a reabertura do consulado, prometida pelo governo Biden e rejeitada por Israel, continua sendo uma questão importante.

No passado, Biden pediu ao governo israelense que suspendesse a expansão dos assentamentos e que trabalhasse por uma solução de dois Estados. No entanto, embora alguns gestos de aceno à Autoridade Palestina possam ser anunciados, um grande esforço para diminuir ainda mais essa fenda não parece estar nos planos.

Em seu artigo no Washington Post, Biden afirmou: "Trabalhando com o Congresso, meu governo restaurou aproximadamente 500 milhões de dólares em apoio aos palestinos, além de aprovar o maior pacote de apoio a Israel da história – mais de 4 bilhões de dólares."

Assassinato de jornalista palestina

Espera-se ainda que Biden, em sua visita à região, enfrente a insatisfação dos palestinos com o fato de os Estados Unidos estarem evitando tomar uma posição firme nas investigações sobre o assassinato da jornalista americana-palestina Shireen Abu Akleh, de 51 anos.

A experiente repórter da rede de televisão Al Jazeera foi morta em 12 de maio em Jenin, na Cisjordânia, onde cobria uma incursão de militares israelenses. Ela usava um capacete e um colete de proteção que a identificavam claramente como membro da imprensa.

A família da jornalista publicou uma carta aberta a Biden expressando sua decepção e pedindo a ele que ajude a garantir a responsabilização dos culpados e justiça para o crime.