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Criminalidade

Em São Paulo, crianças e adolescentes na mira da polícia

21 de junho de 2019

Polícia foi a principal responsável por mortes violentas de menores de 19 anos na capital paulista, revela estudo encomendado pelo Unicef. Antes desconhecido, padrão de letalidade policial contra jovens choca analistas.

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Policiais reprimem manifestantes durante protesto em São Paulo
Entre 2014 e 2018, as polícias de São Paulo mataram 580 crianças e adolescentes na cidade de São PauloFoto: REUTERS

Um levantamento realizado a pedido do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com base em dados da própria Secretaria de Segurança Pública de São Paulo mostra que o número de mortes de crianças e adolescentes decorrentes de intervenção policial superou os óbitos em todas as outras categorias classificadas como mortes violentas (homicídios, latrocínio, acidentes de trânsito, suicídio, feminicídio e lesão corporal seguida de morte).

Os dados são restritos apenas à cidade de São Paulo, mas mostram um padrão de letalidade policial contra crianças e adolescentes que era desconhecido. Não existem estudos semelhantes em outras capitais ou estados do país.

Entre 2014 e 2018, as polícias de São Paulo mataram 580 crianças e adolescentes na capital durante intercorrências policiais de qualquer natureza. No mesmo período foram assassinados de forma dolosa outros 527 cidadãos com idade entre 0 e 19 anos.

Historicamente os homicídios dolosos sempre foram a maior causa de morte violenta entre crianças e adolescentes, mas nos últimos três anos um novo padrão passou a prevalecer. Os números de homicídios vêm caindo ano a ano, de forma constante. Enquanto em 2014 145 meninos e meninas foram assassinados na cidade de São Paulo, em 2018 esse número caiu quase 50%, para um total de 75 mortes.

Por outro lado, os óbitos decorrentes de intervenção policial cresceram em quase todo o período. Houve um avanço constante até 2017, e só no ano passado houve uma queda tímida, a primeira vez desde 2014.

"O que estamos percebendo é que a taxa de homicídios tem sido reduzida e a letalidade policial não", diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que organizou o estudo com bases em dados da Secretaria de Segurança Pública a pedido do Unicef. "Ainda não está claro o que está acontecendo, precisamos entender melhor, mas é evidente que há uma alta letalidade da polícia."

Crianças têm mais chance de morrer pela polícia

A polícia de São Paulo é uma das que menos mata no Brasil em termos proporcionais. Enquanto a polícia carioca, a mais letal do país, tem uma média de 8,9 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes, a paulista registra 1,9 morte a cada 100 mil. Esses números, no entanto, dizem respeito a uma análise global estadual e não são específicas para uma área geográfica determinada e para um grupo etário específico, como o estudo que o Unicef tem em mãos.

O que se sabe a partir dos dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública é que as chances de uma criança ou adolescente morrer num encontro com a polícia é até 50% maior do que a de um adulto. No levantamento foi possível constatar que, no ano passado, a cada mil prisões em flagrante realizadas pela polícia em São Paulo, 5,8 crianças e adolescentes perderam a vida. Entre os adultos, o índice cai para 3,8 mortes para cada mil prisões em flagrante.

Hoje, de acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), homicídios são a principal causa de morte entre adolescentes de 14 a 19 anos no Brasil. Segundo dados do Atlas da Violência 2019, quase 52% das pessoas nessa faixa etária que perderam a vida em 2017 foram vítimas de homicídio. Entre as crianças de 10 a 14 anos esse índice cai para 14%, ainda extremamente alto em comparação com outros países.

Contudo, o estudo do Ipea, organizado em parceria com o Fórum Brasileiro da Segurança Pública, não determina quem foram os autores desses crimes.

Chocados, analistas refizeram os cálculos

Sempre se soube que a letalidade da polícia brasileira é alta, mas não se imaginava que poderia ser capaz de liderar as causas de morte violenta entre crianças e adolescentes em uma cidade como São Paulo.

"Esses são números que impressionam e são responsabilidade do Estado, o Estado é capaz de conseguir reduzir isso", diz a chefe do escritório do Unicef em São Paulo, Adriana Alvarenga. "Assim que tivemos conhecimento deles decidimos abrir um diálogo com a Secretária de Segurança Pública para apresentá-los e buscar maneiras de reduzi-los."

Os dados fazem parte de um estudo mais amplo encomendado pelo Unicef para avaliar a violência que impacta crianças e adolescentes na cidade de São Paulo. Os números causaram tanta surpresa no corpo técnico do órgão que a checagem dos dados foi refeita a partir da base bruta para se confirmar que, de fato, as polícias são as maiores responsáveis pelas mortes violentas de crianças e adolescentes na cidade.

"Imaginávamos que havia um erro, que talvez os cálculos estivessem errados", diz um técnico que atuou compilando as informações dos boletins de ocorrência que registraram as mortes. "Foi uma surpresa chocante."

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo não quis comentar os dados a pedido da DW Brasil. Em nota, o órgão informou que não comenta pesquisas das quais ela diz desconhecer a metodologia.

Na mesma nota, a secretaria afirma que no período pesquisado houve redução de 50% nos casos de latrocínio e lesão corporal seguida de morte, 48,2% nos homicídios dolosos e 30,2% nas mortes violentas em geral. A pasta diz defender uma investigação rigorosa na tentativa de coibir os casos de morte em decorrência de intervenção policial. O texto ainda destaca que as mortes de crianças e adolescentes decorrentes de intervenção policial caíram 6% entre 2014 e 2018.

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