Em meio à guerra civil, Síria vai às urnas eleger presidente
3 de junho de 2014A propaganda eleitoral na emissora de televisão estatal da Síria mostra tanques passando por campos e colinas, homens em uniformes militares e carregando metralhadoras. Os soldados, em tom simpático, convocam a população para ir às urnas: "Seu voto é a sua arma. Nós vamos defender a sua decisão, nós todos vamos votar". A propaganda não mostra quem são os inimigos dos soldados e também não deixa claro o motivo pelo qual a população deveria usar seu voto como arma.
Nesta terça-feira (03/06), um novo presidente será eleito no país, mas a eleição ocorre apenas nas áreas controladas pelo regime. Pela primeira vez, há mais de um candidato. Pela nova legislação eleitoral, os candidatos precisam ter vivido no país ao longo dos últimos dez anos, não podem ter sido condenados pela Justiça e precisam da aprovação de, no mínimo, 23 parlamentares. A lei exclui a oposição do pleito, já que a maioria dos oposicionistas teve que deixar o país devido à repressão estatal.
O atual e muito provavelmente novo presidente, Bashar al-Assad, está no poder desde 2000. O oftalmologista de 48 anos herdou o posto de seu pai, Hafez al-Assad, que governara a Síria por quase 30 anos até a sua morte. Os outros dois candidatos da eleição são desconhecidos da maioria da população. Maher al-Hadshar é deputado e candidato por um partido comunista aliado ao governo. Hassan al-Nuri é empresário e ex-deputado.
Chapa-branca
Os principais palcos da campanha eleitoral são os meios de comunicação estatal ou ligados ao governo. Numa reportagem divulgada pela agência de notícias estatal Sana, entrevistados nas ruas de Damasco estavam animados com a eleição. Democracia, liberdade de escolha e a expectativa dos eleitores foram os aspectos destacados. "Eu desejo um presidente que traga segurança para a Síria e siga os princípios nacionais e patrióticos, pois a Síria pertence a todos", afirma uma jovem.
A mídia estatal vende a imagem de uma eleição limpa. O presidente da comissão eleitoral garantiu à Sana que a comissão é independente e nenhum candidato pode influenciar o resultado final.
As aparições de Assad acontecem exclusivamente na televisão, como o encontro com familiares de soldados do Exército sírio mortos em combate. As imagens mostram um presidente radiante, ao lado da esposa e aclamado pelas famílias sírias. Pelo discurso oficial, o Exército está em guerra contra o terrorismo.
Há três anos começou o levante contra o regime de Assad. As manifestações pacíficas clamavam por reformas políticas e logo passaram a pedir também a queda do presidente. Nos meses seguintes, a oposição pegou em armas. Hoje uma guerra civil toma conta do país.
Guerra civil
Ainda não está claro como a eleição transcorrerá num país em guerra. Segundo as Nações Unidas, 40% da população síria está em fuga. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) afirma que cerca de 3 milhões de sírios estão refugiados nos países vizinhos, e outros 6,5 milhões estão exilados dentro da própria Síria.
Ativistas de direitos humanos afirmam que a guerra já custou mais de 160 mil vidas. Segundo estatísticas da organização independente Centro de Documentação de Violações na Síria, em abril cerca de 97 pessoas foram mortas por dia.
Algumas regiões, como o norte e o leste do país, são controladas por diversas facções oposicionistas armadas e pelo partido curdo. A segunda maior cidade do país, Aleppo, está dividida entre governo e oposição.
Para o jornalista sírio Bashar Youssef, a população que vive em regiões controladas pelo regime deverá votar. Será como nas eleições anteriores ao início da revolução, reforça Youssef, quando estudantes e funcionários públicos foram obrigados a votar.
"Os funcionários públicos já descobriram que não poderão pegar férias no dia da eleição", diz o jornalista. Segundo ele, correm boatos de que haverá blitz no dia 3 de junho para controlar se a população votou. "Assim, muitos vão votar por medo."
A oposição boicotou a eleição. A Coalizão Nacional Síria, o maior grupo oposicionista sírio no exterior, descreveu a ida às urnas como um teatro para manter Assad no poder.
O conflito continuará, pois tanto para a oposição pacífica quanto para a armada o presidente Assad perdeu sua legitimidade desde o início da revolução, em 2011, opina Youssef. "Só os aliados do regime avaliarão a eleição e a vitória de Assad como sinal de aprovação", afirma o jornalista.