Em 2016, Brasil trocou de presidente e manteve a crise
28 de dezembro de 2016"Sei que tivemos um 2015 difícil, mas estou otimista com 2016", disse a ex-presidente Dilma Rousseff no final do ano passado, após ter enfrentado meses de turbulência política e econômica.
A expectativa de Dilma já soava irreal à época, mas nem mesmo os pessimistas foram tão ousados em imaginar que a política brasileira cairia num abismo tão profundo. Em um espaço de 12 meses, o Brasil viveu o impeachment de um presidente, as maiores manifestações de rua da sua história, a queda do presidente da Câmara, um conflito entre Judiciário e Legislativo e revelações explosivas na Operação Lava Jato, que envolveram centenas de políticos. Tudo isso em meio a um cenário econômico mais e mais precário.
Cada um desses episódios não era exatamente inédito na história brasileira, mas 2016 concentrou crises pontuais que foram observadas em anos tão diferentes como 1992 (impeachment), 1993 (escândalo dos anões do orçamento, que desmoralizou o Congresso) e 2005 (a queda do presidente da Câmara), além de protestos que superaram em tamanho manifestações históricas como as de junho de 2013 e as Diretas Já!, de 1984. Já a economia vive a pior recessão desde a década de 1930.
Impulso da Lava Jato
O maior catalisador de todos esses episódios foi a Operação Lava Jato, cujos membros abandonaram a postura discreta observada ao longo de 2015 para adotar uma imagem pública abertamente combativa na tentativa de forçar mudanças na política, como o lobby pela aprovação do pacote anticorrupção. A nova postura chegou a render críticas, como no episódio da divulgação dos áudios dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma, mas a operação segue, apesar de tentativas do meio político de freá-la.
Tantos acontecimentos mudaram o cenário político brasileiro. Após reinar 13 anos no governo federal, o PT se tornou um partido médio, praticamente incapaz de influenciar a política nacional após sofrer derrotas humilhantes nas eleições municipais. A perda de influência também castigou movimentos sociais ligados às administrações petistas, que não conseguiram convocar manifestações que rivalizassem com as contrárias a Dilma, mesmo diante das reformas propostas pelo novo governo que vão ter impactos pelas próximas décadas.
Prisão de políticos
O antes todo-poderoso Eduardo Cunha (PMDB), um dos mais influentes presidentes que a Câmara já teve, experimentou o auge do seu poder no primeiro semestre, mas terminou o ano na cadeia. Seu sucessor adotou um estilo menos personalista no comando da casa.
A prisão também atingiu outros políticos outrora poderosos, como os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – responsáveis por algumas das fotografias mais marcantes do ano – e ex-ministros como Antônio Palocci, Paulo Bernardo e Guido Mantega. A galeria de presos na Lava Jato mereceu uma retrospectiva à parte em alguns jornais brasileiros.
Já o ex-presidente Lula, que foi encarado no início do ano como uma figura que poderia salvar o governo Dilma graças ao seu prestígio e habilidade política, chega ao final de 2016 como réu em cinco ações na Justiça e ameaçado de não poder concorrer nas eleições de 2018. Nos últimos doze meses, o ex-presidente se tornou um alvo preferencial da Lava Jato.
As eleições municipais sinalizaram novas tendências, com campanhas eleitorais mais baratas e o triunfo de candidatos que usaram um discurso antipolítico. Apesar disso, não surgiram lideranças nacionais capazes de trazer renovação para o sistema. O brasileiro continua avaliando mal seus políticos. Segundo pesquisa Datafolha de dezembro, 58% acham os membros do Congresso ruins ou péssimos.
Episódios como a desfiguração do pacote anticorrupção pelo Congresso acentuaram ainda mais o fosso entre os políticos e a população. "A classe política não entendeu que há um nível maior de controle sobre temas envolvendo corrupção ou a conduta política", afirma o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.
Substituto fraco
Do outro lado, o presidente Michel Temer foi tanto encarado como uma figura capaz de estancar a crise como um fator de desestabilização. Em pouco mais de seis meses, sua administração perdeu seis ministros e passou a ser acossada por acusações de corrupção, arrefecendo a euforia que alguns setores demonstraram com sua ascensão ao palácio do Planalto. Nas últimas semanas, até mesmo partidos aliados do presidente sentiram a fraqueza do governo e começaram a especular se o presidente irá sobreviver a 2017.
"Em vez de encerrar a crise que começou em 2015, Temer, um presidente fraco, está preparando um novo ano de turbulência em 2017", afirma Thomas Manz, diretor da fundação Friedrich Herbert no Brasil, para quem 2016 foi um ano "horrível" para a política nacional. "O país está numa nova fase de desestabilização", avalia Manz. "A crise e o impeachment provocaram um efeito devastador no sistema, como se um castelo de cartas tivesse caído. Muitos apostaram que haveria uma normalização após a queda de Dilma, mas a crise só se aprofundou. O sistema está doente e precisa de reforma."
Guerra entre os poderes
No final do segundo semestre, um novo conflito surgiu, desta vez entre o Judiciário e o Legislativo. A Lava Jato já vinha colocando juízes e políticos em rota de colisão desde o ano passado, mas a atuação do Supremo Tribunal Federal levou essa queda de braço a níveis incendiários em 2016. "Com um Legislativo fraco, o papel do Judiciário cresceu ainda mais ao longo do ano", afirma Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.
Em 2016, o STF determinou o afastamento de Eduardo Cunha, uma operação nas dependências do Senado e se envolveu numa malograda tentativa de afastar o presidente da casa parlamentar, Renan Calheiros (PMDB), que também se tornou réu por decisão da corte suprema. Os episódios também revelaram conflitos internos dentro do STF, escancarando rivalidades entre os ministros.
"Depois de um ano desses, fica difícil fazer qualquer previsão. O cenário muda a cada 15 minutos. Só estou seguro que 2016 preparou o terreno para mais turbulência", afirma Manz.