Eliminar pobreza extrema no Brasil custaria 0,13% do PIB
18 de dezembro de 2020A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou nesta quinta-feira (17/12) a edição 2020 do relatório publicado anualmente pela entidade sobre o Brasil. Se as projeções para a economia nos próximos anos são pouco favoráveis, com risco de uma nova "década perdida", a redução da pobreza extrema se revela um objetivo tangível no curto prazo.
O chefe da Seção Brasil do Departamento de Economia da OCDE, Jens Arnold, calcula que o custo para eliminar a pobreza extrema no Brasil represente apenas 0,13% do Produto Interno Bruto (PIB). A estimativa foi apresentada em webinar organizado pela Fundação Getúlio Vargas sobre o relatório nesta quinta-feira.
A conta de Arnold se baseia no custo para complementar a renda dos brasileiros que vivem nessa situação além do limiar da pobreza extrema, a partir dos indicadores macroeconômicos aferidos periodicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, o governo federal desembolsa 0,5% do PIB para o programa Bolsa Família.
"O cálculo mostra que o custo de melhoria da renda para os mais vulneráveis não é tão elevado para o Brasil. É menos uma questão de ter mais recursos, e sim fazer melhor, com políticas sociais desenhadas de maneira eficiente", afirmou Arnold.
OCDE fala em "feito extraordinário"
Na edição recém-publicada do relatório sobre o Brasil, a OCDE enaltece o "feito extraordinário" alcançado pelo país na primeira década do milênio, quando 33 milhões de pessoas saíram do limiar da pobreza a partir de 2003. Todavia, a entidade lembra que as desigualdades e a pobreza vêm crescendo no país em decorrência da recessão econômica iniciada entre 2015 e 2016.
Embora reconheça a importância de políticas públicas específicas para lidar com o problema, defendendo a expansão e o aperfeiçoamento do Bolsa Família, a OCDE elenca o aumento de produtividade como o único fator capaz de acarretar mudanças sustentáveis nesse cenário, por meio da criação de novos postos de trabalho e de melhor qualidade.
Na avaliação da entidade, esse objetivo só será alcançado por meio de reformas estruturais que destravem investimentos em setores produtivos. A reforma tributária, principal pauta da agenda econômica do Congresso para 2021, é tida como fundamental, sobretudo no delicado cenário fiscal brasileiro.
"Os subsídios e gastos tributários consomem 4,8% do PIB brasileiro. É quase o mesmo que se gasta com educação. A carga tributária brasileira não é tão alta se comparada a outros países, mas o Brasil é campeão da complicação fiscal", criticou Arnold no evento.
Zona Franca é questionada
Na linha do relatório, que sugere a unificação de impostos para simplificar o regime tributário, o representante da OCDE questiona a eficácia de mecanismos de atração de investimentos por isenção fiscal, como a Zona Franca de Manaus, que consome mais de 0,3% do PIB e acumula benefícios desde os anos 1960.
"Pesquisas recentes não foram capazes de identificar efeitos externos significativos sobre indicadores de desenvolvimento humano na região além da própria Zona Franca, incluindo o bem-estar das mulheres", diz o documento.
O relatório da OCDE observa que as despesas referidas por Arnold vêm crescendo desde 2010. Embora a entidade destaque a redução dos subsídios para operações de crédito direcionadas, de 1,8% do PIB em 2015 para 0,6% em 2019, o documento ataca as isenções concedidas aos serviços de saúde e educação privada.
A OCDE entende que a atual dedutibilidade do imposto de renda referente às despesas privadas de saúde e educação tem efeitos distributivos regressivos – ou seja, que estimulam a concentração de renda.
Ao passo que 90% dos brasileiros têm remuneração abaixo do limite em que pagariam imposto de renda, apenas 25% da população assina planos privados de saúde, enquanto a maioria depende do sistema público de saúde. "Uma redução das despesas tributárias para a ordem de 2% do PIB parece viável", diz o texto.
Década perdida à vista
A recomendação de que o país implemente reformas estruturais na economia acompanha projeções pessimistas do relatório para a próxima década. A OCDE estima uma recessão de 5% do PIB para este ano, com recuperação lenta nos anos seguintes.
"Sem uma ação firme, os custos de financiamento podem subir substancialmente, afetando a sustentabilidade fiscal e a taxa de investimentos. O Brasil pode viver uma recessão prolongada, como a 'década perdida' dos anos 1980", diz o documento.
Com relação à taxa de desemprego, a OCDE espera um aumento do patamar atual de 13,6% para 16% em 2021, com estimativa de chegar a 15% em 2022. O economista José Feres, pesquisador da Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV/EPGE), ressalta o cenário mais desfavorável para os mais pobres.
"A pandemia teve um efeito forte na ocupação das mulheres e pessoas de menor nível educacional. A deterioração do mercado de trabalho afetou os mais vulneráveis, o que tende a acentuar desigualdades. Este é um dos desafios que o governo e as políticas públicas terão que enfrentar num horizonte próximo", diz.
O economista Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra que o país vive um cenário de elevada incerteza fiscal, política e sanitária, o qual não deverá sofrer grandes modificações em 2021.
"O grau de incerteza mensurado pelo IBRE atingiu o maior nível da série histórica em abril. Desde então, tem caído, mas subiu em novembro e está muito acima do nível pré-pandemia. O cenário que se desenha é o padrão observado antes da pandemia: incerteza alta, informalidade elevada e baixo crescimento da produtividade", explica.
Entrada do Brasil na OCDE
Conhecida como o "clube dos países ricos", a OCDE é composta por 37 países. O objetivo-fim da entidade é fomentar boas práticas de economia de mercado e democracia entre as nações-membros.
O presidente Jair Bolsonaro e a equipe de política externa do governo moveram esforços, desde o início do mandato, para que o Brasil ingresse no grupo. Para atrair o apoio dos Estados Unidos à candidatura brasileira, o governo adotou uma série de concessões comerciais junto à administração do aliado Donald Trump.
Após se ver frustrado com a indicação da Argentina pelos EUA para uma das vagas abertas na OCDE, o apoio de Trump à nomeação do Brasil foi concretizado em janeiro deste ano. Porém, a troca de comando na Casa Branca gera dúvidas sobre os próximos passos.
O diretor do departamento de economia da OCDE, Álvaro Pereira, afirmou que a entrada do Brasil no organismo internacional é "uma questão de tempo".
"Eu acho que o Brasil tem mostrado ao mundo que tem vontade de reformar e quer abrir-se mais ao mundo. Eu não tenho dúvidas que o Brasil vai entrar na OCDE. É uma questão de tempo. E vai ser um dos países mais importantes que nós temos na OCDE", disse no fim do lançamento do relatório da OCDE sobre a economia brasileira.