Dupla insolvência ameaça a economia mundial
17 de junho de 2012A economia mundial está de novo à beira do desastre, passados apenas quatro anos da falência do gigante bancário Lehman Brothers, que precipitou uma crise econômica à escala global. Nos EUA, a administração Obama luta contra altos índices de desemprego, uma enorme dívida pública e um déficit comercial igualmente problemático.
Enquanto isso, a Europa luta contra a insolvência da Grécia e contra o agravamento da situação na Espanha, Itália e Portugal. Antes impensável, há quem discuta hoje o fim da moeda única, o que poderia significar o colapso do projeto de integração europeia.
Na Ásia, o Japão é obrigado a buscar uma nova abordagem para a sua política energética, após a catástrofe de Fukushima em 2011, para impulsionar a economia.
O JP Morgan, um dos maiores bancos norte-americanos, anunciou no dia 10 de maio ter perdido 1,5 bilhão de euros em especulações de alto risco. O Wall Street Journal calcula que o valor total dos prejuízos possa atingir os 3,5 bilhões de euros. O cassino global continua aberto ao público
Alguns dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – em concreto, o G7, o clube das nações industrializadas mais importantes – se encontram numa situação verdadeiramente difícil. Eles estão no centro das turbulências econômicas internacionais e dependentes dos fluxos financeiros dos países emergentes. A Europa precisa da ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) para estabilizar a crise nos países do sul do continente.
O Ocidente vive uma crise de insolvência. Quem teria ousado pensar nisso quando caiu o Muro de Berlim em 1989 e as economias de mercado ocidentais foram as únicas a saírem vitoriosas da Guerra Fria?
Rio+20 à sombra da crise econômica
Agora, na conferência do Rio de Janeiro, será debatida a proteção do meio ambiente a nível global, tal como o desenvolvimento sustentável. Mas quem se interessa por isso em plena crise econômica?
Pelo menos os líderes dos países da OCDE parecem não se interessar. No último encontro do G8 em Camp David e na cúpula da União Europeia no final de maio, foram debatidas "duras questões econômicas". Pouco se mencionou a conferência no Rio. No início de maio, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, já havia rejeitado o convite para participar na conferência.
Devido às crises econômicas no Ocidente, a economia parece ter sido priorizada em relação a todo o resto: como combinar a redução da dívida com a revitalização da economia para evitar um colapso mundial? Não há sucesso econômico sem crescimento, mas em quais áreas específicas se deve promover o crescimento? Será que devemos seguir consumindo recursos de forma galopante, aumentando as emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para perigosas alterações climáticas, degradando o ecossistema?
Estes são temas da conferência no Rio de Janeiro que parecem interessar pouco a chefes de Estado e de governo, ou mesmo a ministros das Finanças. A maioria dos governos optou por enviar seus ministros do Meio Ambiente ou do Desenvolvimento, relativamente menos influentes.
Mas a mensagem do Rio é clara e deveria ser do interesse das lideranças políticas. O economista e prêmio Nobel norte-americano Michael Senge a resumiu numa frase: "Tendo em conta que a população mundial cresce em direção aos 9 bilhões de pessoas e considerando a crescente prosperidade na Ásia, na América Latina e mesmo em algumas partes da África, não podemos simplesmente manter os atuais padrões de produção e de crescimento".
Insistir no mesmo caminho levará a uma segunda crise de insolvência – a falência dos ecossistemas.
Combater velhos hábitos
As ciências da natureza e do ambiente avançaram bastante desde a primeira conferência no Rio de Janeiro há 20 anos. Os pesquisadores definiram os limites do ecossistema e o ponto de saturação que será atingido nas próximas décadas se a economia mundial não mudar de rumo. Se fosse preciso dar uma nota ao ecossistema, tal como fazem as agências de notação financeira aos países, seria de esperar um nível CCC – o mesmo da Grécia, com o perigo de "default".
O capital natural do planeta está em perigo e ameaçado de se esgotar por completo. A humanidade tem que aprender a alcançar prosperidade e segurança social atendendo às limitações do ecossistema. Isto só será possível se, nos próximos dez anos, forem implementadas medidas de desenvolvimento que respeitem o ambiente e que promovam o uso eficiente dos recursos.
A estratégia dos governos ocidentais, de combater em primeiro lugar a crise econômica e só depois (provavelmente) olhar para as questões ambientais, é compreensível, tendo em conta a dimensão dos dois desafios, mas está também condenada ao fracasso. Quanto mais tempo se insistir nos padrões do passado, mais dispendiosa será uma eventual transição para um modelo de prosperidade sustentável.
Uma abordagem circular
A economia mundial enfrenta assim um dilema de dupla insolvência. O volume das dívidas e as ameaças ao esgotamento do ecossistema subiram para níveis que trazem riscos sistemáticos para todos os países. As consequências serão pagas pelas gerações futuras.
Quem quiser combater a crise monetária internacional pedindo cada vez mais empréstimos ou se sustentando nos antigos padrões de crescimento não prejudicará apenas a estabilidade do setor financeiro mundial, irá também acelerar o esgotamento dos recursos naturais. A insolvência financeira poderia levar diretamente à falência do ecossistema.
Será que a atual geração de tomadores de decisão quer mesmo esquecer o futuro e se preocupar apenas com o presente?
A política econômica tem de se reorientar de acordo com as necessidades ambientais. Conter a dívida, dinamizar a economia, adotar uma política que respeite o ambiente e gerir os recursos de forma eficiente são parte da solução para evitar uma crise da dupla insolvência.
Caminhos para a sustentabilidade
O Conselho Alemão de Especialistas em Economia sugeriu um fundo de amortização da dívida para a Europa com o objetivo de estabilizar a zona do euro e criar uma margem de manobra para os investidores.
Em maio, o economista britânico Lord Stern apresentou em uma conferência em Berlim exemplos de como uma política verde e programas para a renovação da infraestrutura europeia poderiam ajudar a saldar as dívidas e proporcionar um crescimento sustentável.
Apesar da dura realidade da economia mundial, há tendências e iniciativas que seguem no caminho correto. A mudança ambiciosa na política energética na Alemanha, mas também na Dinamarca e na Suécia, mostra que o bom desempenho econômico pode andar de mãos dadas com a sustentabilidade. Em 2011, 70% dos investimentos da União Europeia no setor energético foram canalizados para infraestruturas de energias renováveis.
Ver as limitações como oportunidades
Em nível mundial, os investimentos em energias renováveis em 2011 ultrapassaram os 215 bilhões de dólares, cinco vezes mais do que em 2004. Grandes investimentos na proteção ambiental de cidades e em sistemas energéticos na China oferecem o maior potencial de mudança.
Na África, líderes políticos tentaram uma aproximação direta com a indústria. Em uma conferência no início de maio em Botsuana, com os principais chefes de Estado e de governo africanos e os diretores-executivos de grandes empresas mundiais, foram acertadas iniciativas concretas para investimentos "verdes". Isso provou que é possível encontrar alternativas mesmo em países relativamente pobres.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, engaja-se neste momento para que representantes das principais empresas de energia em todo o mundo assumam compromissos que permitam uma mudança para a energia "verde".
Estes são os temas que deveriam estar no centro da discussão na Rio+20. Mas a conferência sobre sustentabilidade global só será um sucesso caso se transforme numa conferência sobre economia mundial, que ajude a definir o caminho para o aumento do bem-estar e a redução da pobreza, tendo em conta as limitações dos recursos naturais.
Além disso, é necessário estabelecer metas ambiciosas para o desenvolvimento, que traduzam as limitações do planeta em diretrizes para a economia mundial; e são necessários instrumentos para as concretizar.
Enquanto os chefes de Estado e de governo, assim como os ministros das Finanças, continuarem debatendo no G8 e G20 modelos antigos do crescimento para combater as crises da dívida, ao mesmo tempo em que seus ministros do Meio Ambiente e do Desenvolvimento falam, no Rio de Janeiro, do esgotamento dos ecossistemas, não será possível vencer a batalha contra a crise da dupla insolvência. (gcs)
Dirk Messner é o diretor do Instituto alemão para Política de Desenvolvimento
Revisão: Roselaine Wandscheer