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Dodge pede que STF suspenda apreensão de livros na Bienal

8 de setembro de 2019

Procuradora-geral diz que decisão do TJ-RJ que autorizou Crivella a censurar livros com temática LGBT discrimina "pessoas por sua orientação sexual" e fere "frontalmente a igualdade e a liberdade de expressão artística".

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Após organização da Bienal se recusar a recolher uma HQ que mostrava um beijo gay, prefeito mandou fiscais para a feira Foto: AFP/Bienal Do Livo Do Rio/M. Mercante

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu na manhã deste domingo (08/09) a suspensão da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que autorizou a prefeitura da capital fluminense a apreender livros com temática LGBT na Bienal do Livro.

A manifestação de Doge foi encaminhada ao presidente do STF, Dias Toffoli. Ela argumenta que o pedido "visa a impedir a censura ao livre trânsito de ideias, à livre manifestação artística e à liberdade de expressão no país".

"A decisão ora impugnada fere frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação, que são valorizados intensamente pela Constituição de 1988, pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e, inclusive, por diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal", escreveu Dodge.

A procuradora-geral ainda argumentou que a prefeitura do Rio, ao determinar o uso de embalagem lacrada somente para "obras que tratem do tema do homotransexualismo", discrimina frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero e fere o princípio da igualdade que deve pautar a convivência humana.

A controvérsia teve início na última quinta-feira, quando o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou que pretendia censurar a HQ Vingadores - A cruzada das crianças, que estava sendo vendida em estandes na Bienal do Livro. Em vídeo, Crivella afirmou que havia determinado o recolhimento da obra porque ela trazia "conteúdo sexual para menores".

Na visão do prefeito, esse tipo de material precisava "estar embalado em plástico preto e lacrado" e com um aviso sobre o conteúdo. "A prefeitura está protegendo os menores da nossa cidade", afirmou.

No entanto, o conteúdo denunciado por Crivella – que é bispo da neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus – não passava de uma ilustração isolada com dois homens se beijando, completamente vestidos, em meio a dezenas de páginas da história.

Logo depois, a organização da Bienal do Rio disse recebeu uma notificação da prefeitura para que os exemplares da HQ e outras obras "que tratem do tema do homotransexualismo de maneira desavisada para o público jovem e infantil" fossem lacrados e viessem com uma classificação indicativa e um alerta sobre conteúdo impróprio. Caso contrário, eles seriam apreendidos.

Em resposta, os organizadores do evento responderam que não pretendiam recolher ou embalar os exemplares, argumentando que o conteúdo não é impróprio nem pornográfico. Na sexta-feira, Crivella mandou fiscais para apreender o material.

No entanto, segundo a organização, já não havia mais exemplares da HQ que pudessem correr o risco de apreensão, já que todo o material foi vendido nos primeiros minutos após a abertura da Bienal na sexta-feira, diante da repercussão da censura promovida pelo prefeito.

No mesmo dia, o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, concedeu um mandado de segurança para os organizadores da bienal para impedir que a prefeitura  apreendesse livros ou cassasse o alvará da feira.

Mas a prefeitura recorreu e a decisão foi derrubada no sábado, desta vez pelo presidente do TJ-Rio, Claudio de Mello Tavares, que acatou um pedido apresentado pela prefeitura do Rio para permitir o recolhimento de obras que ilustrem o tema da homossexualidade "de maneira desavisada" para crianças e jovens.

O pedido feito à Justiça pela Prefeitura do Rio argumentava que obras que ilustram temas LGBT atentam contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O estatuto, contudo, não menciona homossexualidade em sua legislação. No mesmo dia, Crivella mandou novamente os fiscais para a feira, mas, novamente, nenhum exemplar foi apreendido. 

Nas redes sociais, várias pessoas denunciaram o caso como censura e acusaram o prefeito Crivella de homofobia. Uma série de editoras do país, entre elas a Companhia das Letras e o Grupo Editorial Record, bem como escritores e a OAB-RJ também repudiaram a atitude da prefeitura. O ministro do STF, Celso de Mello, também disse que o caso de censura mostra a existência de "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo".

"O que está acontecendo no Rio de Janeiro constitui fato gravíssimo, pois traduz o registro preocupante de que, sob o signo do retrocesso — cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado —, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!", escreveu em uma mensagem divulgada para a imprensa.

A feira, que teve início em 30 de agosto, termina neste domingo.

JPS/ots

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