Do que o Haiti precisa para sair de mais uma crise?
26 de março de 2024Guerras de gangues, invasões de prisões e grandes protestos mergulharam o Haiti em caos desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021. O agravamento da crise sociopolítica e econômica no país está agora levando a um êxodo maciço de haitianos. O Haiti realmente se tornou um Estado falido? Do que o país caribenho precisa para sair dessa crise profunda?
A renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, no poder desde o assassinato de Moïse, seria o primeiro passo para restabelecer a governabilidade do país, que não realiza eleições desde 2016. Henry deveria ter deixado o governo em fevereiro, mas permaneceu no cargo após um acordo com a oposição. Como resultado, gangues armadas que controlam grande parte do país atacaram a sede presidencial, o aeroporto e as prisões, de onde escaparam cerca de 3 mil prisioneiros.
"A renúncia de Henry não mudará nada, mas é parte da solução. As pessoas querem ver outra face, mesmo que essa face possa ser pior. Henry tem sido indolente em relação ao sofrimento do povo", diz, em entrevista à DW, o economista e cientista político haitiano Joseph Harold Pierre, diretor do Centro de Desenvolvimento Estratégico do Caribe.
Prioridade: dar fim à insegurança
Após Henry sinalizar que poderia renunciar, foi formado o chamado "conselho presidencial de transição", composto por sete membros dos principais partidos políticos do país, do setor privado e do Acordo de Montana, uma coalizão que propôs um governo interino após o assassinato de Moïse.
"Esse conselho será capaz de fazer um trabalho melhor", observa Pierre com otimismo. "O Haiti é atualmente um estado falido que não consegue nem mesmo garantir sua própria segurança."
No entanto, o pesquisador colombiano-haitiano Wooldy Edson Louidor, da Pontificia Universidade Javeriana, explica que várias organizações têm denunciado alguns membros do conselho por envolvimento criminoso em regimes anteriores. "Evidentemente, também devemos prestar atenção a essas denúncias", diz Louidor.
A única maneira de a nação caribenha seguir em frente, avalia Louidor, é que "os haitianos concordem em colocar o país acima de seus próprios interesses, e que todos – a diáspora e as pessoas dentro do país, ricos e pobres, e as facções políticas – busquem uma solução haitiana para essa situação de caos e desordem".
Intervenção internacional?
Para Pierre, a principal razão para a grave situação do Haiti é o fato de o país não ter elites que funcionem como suporte para apoiar o governo. "Para que um Estado exista, é preciso que haja uma elite econômica, política e intelectual por trás dele", enfatiza. Mas essa seria, na melhor das hipóteses, uma perspectiva de longo prazo, já que o que é urgentemente necessário agora é "resolver o problema da insegurança e, para isso, é preciso uma missão forte e determinada", enfatiza.
É por isso que Pierre defende uma intervenção de forças estrangeiras no país. "O ideal seria ajudar a polícia a resolver o problema, mas a polícia é muito fraca e também tem membros ligados a gangues. A solução seria a intervenção de uma missão estrangeira no Haiti", diz o cientista político.
Já Louidor prefere que a polícia haitiana seja fortalecida para que possa lutar contra as gangues armadas. "Isso deve ser feito com o apoio internacional em termos de estratégias ou apoio logístico, mas é recomendado o apoio da população civil haitiana e das organizações de direitos humanos", ressalta.
O governo do Quênia havia prometido enviar policiais para liderar uma missão internacional contra gangues criminosas, supervisionada pela ONU. Henry visitou a capital queniana, Nairóbi, por esse motivo, mas acabou sem ter como retornar ao Haiti devido ao surto de violência que causou o fechamento dos principais aeroportos do país. O político está atualmente na Califórnia, Estados Unidos, depois de deixar Porto Rico, país do qual anunciou sua renúncia.
Solução duradoura
Mas Pierre vê com ceticismo uma eventual intervenção queniana por, segundo ele, oferecer poucas garantias de sucesso. "Preferiria que ela fosse feita por países desenvolvidos, como os EUA, o Canadá ou a França", diz.
Washington, pelo menos, não descartou o envio de forças ao Haiti por enquanto como parte de uma "solução internacional" para a violência crescente que o país enfrenta. Mas organizações como a Anistia Internacional veem essas intervenções estrangeiras de forma crítica e pedem, ao invés disso, soluções duradouras.
"As soluções militares ou as intervenções externas não abordaram as causas fundamentais da crise e, longe de avançar para uma estabilidade sustentável, deixaram em seu rastro um legado de violações dos direitos humanos e impunidade que continua", disse na semana passada Ana Piquer, diretora da Anistia Internacional para as Américas.
Os especialistas Pierre e Louidor concordam que o Ocidente e a comunidade internacional têm alguma responsabilidade pelo que está acontecendo no Haiti, também devido ao passado colonial e à ocupação americana.
Se o Haiti se estabilizar, ressalta Pierre, ele tem "grande potencial econômico", considerando que mais da metade da população haitiana, 11,5 milhões de habitantes, tem menos de 25 anos de idade. "Primeiro, é preciso educar essa população, criar empregos e depois investir em outros setores. Mas para que haja investimento estrangeiro, o país precisa voltar a funcionar", insiste.