Disputa na Volkswagen é assunto de família
17 de abril de 2015No Brasil, a saga da família que controla a Volkswagen daria material suficiente para uma novela: poder, influência e intrigas há de sobra. Nessa história, o presidente-executivo Martin Winterkorn é apenas um coadjuvante, um mero empregado, ainda que muito bem pago. Com uma renda anual de cerca de 16 milhões de euros, ele está no topo da lista de salários dos principais executivos alemães.
Pois basta uma frase da família para colocar em xeque todo o poder do executivo que comanda a segunda maior montadora de automóveis do mundo: "Eu me distanciei de Winterkorn", afirmou, de passagem, o patriarca Ferdinand Piëch em entrevista à revista alemã Der Spiegel.
Uma declaração assim, sem nenhuma acusação concreta, que poderia passar despercebida num outro contexto, tem um peso enorme se a empresa for a Volkswagen e o autor da frase, Piëch – ele preside o conselho de administração da VW, o seleto grupo de pessoas que controla a empresa. Até 2002, Piëch foi, ele próprio e por quase uma década, presidente-executivo, o mesmo cargo ocupado hoje por Winterkorn.
Depois do ataque de Piëch, Winterkorn recebeu o apoio de Wolfgang Porsche, que também faz parte do conselho de administração da Volkswagen. Segundo Porsche, a declaração de Piëch era uma opinião pessoal, que não teria sido combinada com a família, nem em forma nem em conteúdo.
Quando fala em família, Piëch está se referindo aos ramos Porsche e Piëch, pois Wolfgang Porsche e Ferdinand Piëch têm o mesmo avô. E eles, ou seja, "a família", detêm a maioria das ações da Volkswagen, garantindo pouco mais de 50% do direito de voto e 32% do capital.
As origens
O avô era Ferdinand Porsche. Em 1938, ele projetou para os nazistas a fábrica da Volkswagen e o protótipo do carro que seria o maior símbolo da empresa, o Fusca. Mais tarde, foi preso pelos Aliados, mas nunca foi condenado.
Após a Segunda Guerra Mundial, o governo militar da zona de ocupação britânica assumiu o controle da fábrica da Volkswagen, entregando-o ao estado da Baixa Saxônia em 1949 – entre outros, com a condição de conceder grande influência aos sindicatos.
Em 1960, a Volkswagen tornou-se uma sociedade anônima, sendo privatizada, mas o estado da Baixa Saxônia manteve uma parcela de 20% das ações.
Paralelamente, a partir do escritório de engenharia fundado por Ferdinand Porsche em 1930 originou-se a fabricante de carros esportivos Porsche em Stuttgart. Nesse empreendimento, desde o início as famílias Porsche e Piëch detiveram o controle, mais ou menos de forma igualitária.
Além disso, na austríaca Salzburg, elas fundaram uma empresa comercial denominada Porsche Holding, responsável pela revenda de carros da Porsche e da Volkswagen para a Áustria e, mais tarde, para o sul da Europa. As famílias ainda recebiam royalties pelos milhões de Fuscas vendidos em todo o mundo.
Disputas já houve várias na família. Em 1972, quando a situação ficou especialmente turbulenta, os Porsche e os Piëch chegaram a um acordo para se retirar dos negócios das suas empresas familiares, que, desde então, são dirigidos por executivos empregados.
Em 1992, Wendelin Wiedeking tornou-se o presidente da Porsche. Um ano depois, era a vez de Ferdinand Piëch assumir a presidência da Volkswagen, que estava então no vermelho. Naquela época, as famílias Piëch e Porsche possuíam somente uma pequena parcela das ações da VW.
No entanto, a partir de 2005, elas passaram a aumentar paulatinamente essa cota – por meio da Porsche, que elas controlavam desde o início. Para separar a participação acionária na Volkswagen da própria produção de carros esportivos, as famílias fundaram a Porsche Automobil Holding (que não deve ser confundida com a importadora de carros austríaca Porsche Holding). As ações ordinárias com direito a voto da Porsche Automobil Holding são controladas exclusivamente por membros das famílias Porsche e Piëch.
A tomada de controle
Por meio da holding, Wiedeking tentou, a partir de 2008, o que parecia impossível: a pequena montadora de carros esportivos queria incorporar a gigante Volkswagen. Para tal, Wiedeking contava com o apoio de Wolfgang Porsche, o presidente do conselho de administração da Porsche Automobil Holding.
Ferdinand Piëch, que na época já era o presidente do conselho de administração da Volkswagen, teria sido contra a incorporação. O ousado plano acabou fracassando devido à crise financeira, que impossibilitou um financiamento dos empréstimos que a Porsche fez para comprar ações da Volkswagen e, assim, assumir o controle da gigante.
Em vez disso, aconteceu o contrário: a Volkswagen incorporou a Porsche, que se tornou a 12ª marca da empresa. Piëch triunfou sobre Porsche. No entanto, ambos saíram vencedores, pois a empresa familiar Porsche Automobil Holding tornou-se então a principal acionista da Volkswagen, detendo mais da metade das ações com direito a voto.
Mesmo assim, sem a anuência do estado da Baixa Saxônia, a família não pode decidir nada. Embora detenha apenas 20% das ações com direito a voto, o estado pode bloquear decisões importantes – uma particularidade que nem duas ações da Comissão Europeia na Corte Europeia de Justiça conseguiram alterar.
Apesar disso, a atual disputa em torno do futuro direcionamento da Volkswagen é sobretudo um assunto de família, mais uma rodada na luta interminável entre os primos Ferdinand Piëch (nascido em 1937) e Wolfgang Porsche (nascido em 1943). O local de reunião dos seis diretores do núcleo do conselho de administração da Volkswagen é Salzburg. Ambos os primos possuem uma residência na cidade.