Discriminação
4 de agosto de 2008Paradas gays fazem parte do calendário de verão em quase toda a Europa – de Berlim à sueca Eskilstuna, de Londres a Saragoça. Hoje em dia, pouca gente se incomoda com o evento e muitas famílias levam até as crianças para ver homens vestindo perucas, salto alto, boás ou quase nada.
Mas, enquanto o evento reúne centenas de milhares de participantes em várias metrópoles da Europa ocidental, no países do Leste Europeu a situação é bem diferente. Em maio último, por exemplo, a prefeitura de Moscou tentou impedir pela terceira vez consecutiva que a parada acontecesse. O prefeito Yuri Luzhkov chegou a definir paradas gays como "satânicas".
Em 2007, ativistas que haviam se reunido em frente à prefeitura para protestar contra a proibição foram recebidos com ovos e até atacados por cristãos ortodoxos conservadores e grupos neonazistas, enquanto a própria polícia perturbava e detia manifestantes pacíficos – entre eles, o político verde alemão Volker Beck, que fora à Moscou em apoio e acabou sendo ferido.
"A diferença entre a situação de gays na Europa ocidental e na oriental muitas vezes deprime", conta Tomasz Szypula, da organização polonesa Campanha Contra a Homofobia, que luta pela igualidade social e legal de gays e lésbicas.
"Jovens poloneses viajam muito, por exemplo, para lugares como a Espanha, onde gays podem se casar e não são diferentes de quaisquer outros perante a lei. Aí eles voltam para casa e se perguntam por que é que as coisas aqui não podem ser assim."
Pouca aceitação
Por mais que relações homossexuais tenham deixado de ser consideradas crime na Europa oriental, ainda há um longo caminho até que alcancem ampla aceitação social.
O casamento entre duas pessoas do mesmo sexo não é permitido em nenhum país da região, sendo que três deles até criaram obstáculos constitucionais. Somente a Hungria e a República Tcheca aprovaram uma lei que dá reconhecimento legal a casais homossexuais.
Enquanto na Holanda 82% dos adultos são a favor do casamento gay, o nível de aprovação cai drasticamente nos países situados no leste da União Européia (UE). Segundo um levantamento feito pela Comissão Européia em 2006, apenas 19% aprovam a união civil para gays na Eslováquia, enquanto este número cai para 17% na Polônia e 11% na Romênia, a última da lista.
Há várias razões para isso, explicam especialistas. Na Polônia, a força da Igreja Católica, que condena o homossexualismo, muito contribui para tornar ainda mais vagaroso o processo de reconhecimento legal e a aceitação de gays e lésbicas.
"Ao contrário de muitos outros países, os poloneses são muito crentes, o que torna as forças conservadoras ainda mais poderosas", afirma Szypula. "Não há educação sexual nas escolas por causa da Igreja, então os jovens pouco sabem sobre homossexualismo, além do que ouvem nas ruas." Já em países como a Hungria e a República Tcheca a presença da Igreja não é tão forte e, entre os demais do antigo Pacto de Varsóvia, ambos tinham uma orientação levemente ocidental.
Por isso, a aceitação de gays e lésbicas é maior que nos países bálticos Lituânia e Letônia, que pertenciam à esfera de influência da Rússia, explica Juris Lavrikovs, do braço europeu da Associação Internacional de Gays e Lésbicas.
"Na Hungria e na República Tcheca, a elite política deixou muito claro que busca uma aproximação com o Ocidente, com a UE", argumenta. "A Polônia e a Letônia ainda estão procurando sua identidade."
Devagar, mas certa
Mas, a despeito de proibições a paradas, ataques homofóbicos e discursos políticos discriminatórios, Lavrikovs ressalta que não se pode ignorar os progressos obtidos. O mero ingresso na União Européia, por exemplo, teve um efeito considerável na atitude perante gays e lésbicas, afirma.
"Ao ingressar na UE, eles passaram a fazer parte de uma comunidade de valores", explica Lavrikovs. Uma diretiva atual da UE já proíbe a discriminação por identidade sexual no âmbito trabalhista.
Ele agora vê com bons olhos a nova proposta de diretiva européia, que pretende estender o combate contra a discriminação ao direito civil, na tentativa de incentivar o tratamento igualitário em outras áreas da vida pública e privada, como prestação de serviços, moradia e transporte – proposta controversa em muitos países, cuja implementação não será fácil.
Para Lavrikovs, o importante é avaliar cada país em seu contexto, especialmente porque os países do Leste Europeu não passaram por muitos dos desenvolvimentos sociais que ocorreram na Europa ocidental durante meio século.
"Há muitas coisas acontecendo com muita rapidez, incluindo diversos confrontos um tanto perturbadores. A sociedade ainda não está conseguindo acompanhar, mas a situação está melhorando", afirma.