Diretor da Berlinale receoso com rumos do cinema no Brasil
15 de fevereiro de 2020O cinema brasileiro está mais forte do que nunca. Pelo menos em território alemão. Com 19 filmes, o país terá uma presença recorde no Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, que começa na próxima quinta-feira (20/02), além de disputar o prêmio máximo, o Urso de Ouro. Mas a turbulência no setor audiovisual brasileiro já chama a atenção dos organizadores.
"Estamos muito preocupados", disse à DW o novo diretor do festival, o italiano Carlo Chatrian, que convidou o cineasta Kleber Mendonça Filho, aclamado por filmes como Bacurau e Aquarius, para integrar o prestigiado Júri Internacional. "Achamos importante mandar um sinal para a indústria internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro."
Na avaliação de Chatrian, a boa safra de filmes inscritos no festival pode ser um efeito colateral da política de esvaziamento cultural do governo do presidente Jair Bolsonaro: "Muitos produtores sabiam que se deixassem para o ano seguinte poderiam não ter mais financiamento, porque a Ancine poderia fechar. Por isso, eles correram para terminar seus filmes com o dinheiro disponível."
Segundo Chatrian, a farta seleção se baseou unicamente na qualidade do material inscrito: "Não escolhemos tantos filmes brasileiros para fazer um posicionamento político. Eles foram escolhidos porque são filmes fortes", garante.
O respeito do italiano pelo cinema brasileiro vem de longa data: "Para mim, foi uma fonte de inspiração quando era jovem, com o Cinema Novo e o Cinema Marginal", conta.
Ex-diretor do Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça, Chatrian assumiu a direção artística da Berlinale neste ano, em parceria com a diretora executiva Mariette Rissenbeek, no lugar de Dieter Kosslick, que ficou quase 20 anos à frente do festival.
"Diversidade é a melhor resposta"
Entre as novidades introduzidas pela dupla está a nova mostra competitiva Encounters, que visa fomentar trabalhos "esteticamente ousados" e que possam trazer novas abordagens para o cinema. São 15 filmes ao todo, e o Brasil pode levar um prêmio com Los conductos, do diretor Camilo Restrepo, feito em coprodução com França e Colômbia.
Entre os 19 filmes brasileiros selecionados (produções e coproduções), há temas que vão desde o meio ambiente até o universo queer. "Temos uma grande diversidade. É a melhor resposta para quem diz que o cinema brasileiro não está vivo, e não deve ser financiado", afirma Chatrian.
Na mostra principal, o país disputará o Urso de Ouro com Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra. Coprodução entre Brasil e França, o longa discute a herança da escravidão na virada do século 19. "A história se passa pouco depois da abolição da escravatura. É um filme muito político, mas também muito interessante, na forma como usa o sincretismo como estrutura para a sua narrativa e estilo", avalia o diretor do festival.
Cinco filmes na mostra Panorama
O Brasil vem forte também, com cinco filmes, na mostra Panorama – a segunda mais importante e a única a ter uma premiação definida pelo público. Uma das obras é Nardjes A., do premiado cineasta Karim Aïnouz, que volta mais uma vez ao festival com um documentário sobre uma jovem ativista que luta pela democracia na Argélia.
Já O reflexo do lago, de Fernando Segtowick, mostra a vida dos que moram, sem energia elétrica, nos arredores de uma das maiores hidrelétricas da Amazônia, sob um olhar ambientalista.
Ainda na Panorama, o diretor Matias Mariani conta em Cidade pássaro a história de um músico que deixa a Nigéria para procurar pelo irmão que desapareceu em São Paulo. E Vento seco, de Daniel Nolasco, apresenta um "queer erótico", nas palavras do diretor italiano. A coprodução Un crimen común, dirigida pelo argentino Francisco Márquez, completa a seleção.
Há também filmes na seção Fórum, mais experimental, e na Generation, dedicada ao público infanto-juvenil, em que o Brasil apresenta mais quatro filmes. Entre eles, Alice Júnior, de Gil Baroni: uma ficção divertida sobre uma youtuber trans que já passou por festivais no Brasil. A obra foi realizada com apoio da Ancine, na era pré-Bolsonaro.
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