As lutas dos premiados com o Nobel Alternativo
25 de setembro de 2019Para Carl Wolmar Jakob von Uexküll, as categorias do Prêmio Nobel não eram suficientes para premiar o que para ele seriam os verdadeiros desafios da humanidade. Por isso, o escritor e colecionador de selos profissional teuto-sueco, nascido em 1944, criou o Right Livelihood Award, também conhecido como Prêmio Nobel Alternativo.
Todos os anos, desde 1980, os organizadores em Estocolmo dão prêmios para pessoas e projetos que mostram "soluções práticas exemplares" para questões sociais urgentes, tais como a luta contra a poluição ambiental, ameaça nuclear, violação dos direitos humanos e exploração das minorias.
A Fundação Right Livelihood recebe anualmente mais de 100 sugestões de todo o mundo. Um júri seleciona os premiados. Em 2019, eles vêm do Brasil, Saara Ocidental, China e Suécia, entre um total de 142 indicações de 59 países. Até agora, o Right Livelihood Award foi dado a 174 indivíduos e entidades de 70 países.
Os contemplados tem em comum a luta por justiça, autodeterminação e um futuro melhor. "Nós homenageamos quatro visionários práticos cujo trabalho permite que milhões de pessoas defendam seus direitos fundamentais e lutem por um futuro digno neste planeta", comentou o júri. A entrega será em 4 de dezembro, em Estocolmo.
Unidos pelas reservas indígenas
No Brasil, a Floresta Amazônica está em chamas, e o mundo se preocupa com os efeitos das queimadas e do desmatamento sobre o clima. Mas o fogo afeta primeiro a população local, e é para isso que os organizadores do Prêmio Nobel Alternativo chamam a atenção neste ano. Eles premiaram Davi Kopenawa, um dos mais respeitados porta-vozes dos povos indígenas do Brasil.
Kopenawa pertence à tribo Yanomami, que, com cerca de 35 mil integrantes, é um dos maiores povos indígenas do Brasil. Juntamente com a região Yanomami fronteiriça na Venezuela, a etnia ocupa o maior território de floresta tropical do mundo, uma área maior do que a Grécia.
O famoso yanomami se empenha para proteger os direitos, a cultura e a terra dos povos indígenas da região amazônica. O uso crescente da floresta tropical para a agricultura ameaça não só a natureza, mas também a subsistência dos povos indígenas. Nos anos 1980 e 1990, os mineiros destruíram aldeias, transmitiram doenças e mataram. Hoje esses ataques estão novamente aumentando.
Em 1992, Kopenawa foi fundamental para que uma área de 96 mil quilômetros quadrados no Brasil fosse designada como área yanomami protegida. Ele desempenha também um papel crucial na reunião de diferentes comunidades indígenas para trabalharem em conjunto e se protegerem da exploração. Com esse fim, ele fundou a Associação Hutukara, que representa diversas comunidades yanomami.
"Em vista do rápido declínio da biodiversidade e dos crescentes impactos das mudanças climáticas, o conhecimento dos yanomami de como conservar e habitar suas terras de forma sustentável para o benefício de todos é de suma importância global", explicam os organizadores do Right Livelihood. Kopenawa é o sétimo brasileiro laureado desde a criação do prêmio.
"Ghandi do Saara Ocidental"
Já na adolescência, Aminatou Haidar se tornou uma ativista. Desde então, tem trabalhado pacificamente pela independência de sua terra natal, o Saara Ocidental. A antiga colônia espanhola ficou independente por um curto período, em 1975, sendo anexada pelo Marrocos pouco depois. E, desde então, as autoridades marroquinas tomaram medidas contra os saarauí, o povo nativo do Saara Ocidental.
Haidar se tornou o rosto de um movimento que promove a autodeterminação saarauí e o respeito pelos direitos humanos fundamentais. Também cofundadora e presidente da organização de direitos humanos Coletivo dos Defensores dos Direitos Saarauís (Codesa), a ativista organiza manifestações, documenta a tortura no território disputado e participa da greve de fome com o fim de chamar a atenção para a situação do seu povo – ações que desagradam as autoridades marroquinas.
Haidar acabou muitas vezes atrás das grades, sem acusação nem julgamento, tendo passado quatro anos solitária numa prisão secreta, isolada do mundo exterior. Ela luta incansavelmente por uma solução política para o conflito de longa data no Saara Ocidental e, por isso, ela e seus filhos são alvos também de ameaças de morte, ataques e assédios. Sua perseverança e seu protesto não violentos lhe valeram a alcunha de "Ghandi do Saara Ocidental".
"Pela sua inabalável resistência não violenta, apesar da prisão e da tortura, na busca pela justiça e da autodeterminação do povo do Saara Ocidental", Haidar recebe o Nobel Alternativo.
Advogada das chinesas
Em 2014, números oficiais da China revelaram pela primeira vez um problema que antes era silenciado: uma mulher em cada quatro apanha do marido. Dois anos depois, o governo em Pequim aprovou uma lei contra a violência doméstica – uma conquista que se deve ao trabalho persistente de ativistas dos direitos das mulheres como Guo Jianmei.
Guo é uma das mais importantes defensoras dos direitos das mulheres na China. Nos últimos 25 anos, ela e sua equipe prestaram aconselhamento jurídico gratuito a 120 mil mulheres. Mais de 4 mil ações foram movidas para exigir os direitos femininos e promover a igualdade de gênero. Ela é a primeira advogada do país a trabalhar em tempo integral dando assistência jurídica sem fins lucrativos.
Guo apoia as mulheres em nível nacional, em questões como desigualdade salarial, assédio sexual e os contratos de trabalho que proíbem a gravidez. Nas zonas rurais, Guo ajuda as mulheres a quem são negados os direitos à terra. Especialmente nestas regiões, as estruturas patriarcais especialmente persistem, e as mulheres, muitas vezes, dependem dos seus maridos.
Ela fundou a Rede de Advogados de Interesse Público da China, uma associação com mais de 600 profissionais que também tratam de casos nas regiões mais remotas do país.
"Guo Jianmei tem demonstrado grande coragem e excepcional resiliência diante das crescentes restrições ao escopo de ação da sociedade civil", explicam os organizadores do Right Livelihood. Guo recebe o prêmio este ano "por seu trabalho inovador e persistente na garantia dos direitos das mulheres na China".
Catalisadora de um movimento mundial
A premiada mais conhecida é certamente a ativista climática sueca Greta Thunberg. Em agosto de 2018, algumas semanas depois das eleições legislativas na Suécia, a então com 15 anos, ela começou uma greve escolar em frente ao edifício do Parlamento, em Estocolmo, para pressionar os políticos a agirem no sentido de limitar o aquecimento global a 1,5ºC.
Ela é a voz de uma geração que vê as alterações climáticas como uma grande ameaça para seu futuro e das gerações futuras. Milhões de jovens em todo o mundo a seguiram, saindo às sextas-feiras não para a escola, mas às ruas, para pedir mais proteção ao clima.
Assim, Thunberg se tornou o rosto do movimento mundial Greve pelo Futuro (Fridays for Future), que culminou numa greve global pelo clima na última sexta-feira. A adolescente de 16 anos, portadora da síndrome de Asperger, fala em grandes conferências e se reúne com os maiores tomadores de decisão do mundo. Sua mensagem é clara: o mundo tem que reconhecer a mudança climática global, compreender a urgência da crise ambiental e agir em conformidade.
"Sua maneira inflexível de dizer a verdade aos poderosos do mundo suscita enorme ressonância", explicam os organizadores do Prêmio Right Livelihood. Greta Thunberg está sendo homenageada por fazer a demanda política por medidas urgentes de proteção climática ser ouvida em todo o mundo.
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