Dilma, a tecnocrata sem paciência para a política
12 de maio de 2016No final de 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ao seu círculo próximo que havia escolhido a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como candidata à sucessão. À época, seu governo contava com mais de 80% de aprovação. A imagem de Dilma já vinha sendo meticulosamente preparada por Lula, que tratava de promover sua protegida como a tecnocrata competente e "gerentona".
Dilma nunca havia disputado uma eleição. Sua escolha inicialmente gerou resistência entre alguns petistas. Ela não era um membro histórico do partido: sua filiação ocorreu apenas em 2001. Por décadas ela esteve ligada ao PDT de Leonel Brizola, que rivalizou com Lula no papel de líder de esquerda.
A vontade de Lula, no entanto, prevaleceu. Vários petistas tentaram se convencer que Dilma seria apenas uma "pausa" até a volta de Lula, na eleição de 2014. Para o então presidente, Dilma representava uma novidade após nomes como Antonio Palocci e José Dirceu terem sido descartados por causa de escândalos políticos. Dilma tinha uma biografia respeitável. Guerrilheira em um grupo de esquerda durante o regime militar (1964-1985), foi presa e torturada.
O fato de ser mulher também serviria de símbolo das mudanças sociais que o PT propagandeava. Ela também não tinha escândalos na ficha. Entre os auxiliares, tinha fama de durona e exigente.
Na visão de Lula, também contava a favor de Dilma o fato de ela não ter um projeto político pessoal. Até então, os postos ocupados por ela foram apenas agregados à política, sempre em áreas técnicas e condicionados à boa vontade de um padrinho. Adversários acusaram Lula de tentar eleger uma marionete. Mas a embalagem de tecnocrata tinha apelo em parte da população, cansada de políticos profissionais.
A campanha de 2010 ainda mostrou uma Dilma sob a sombra de Lula. Ela evitava aparecer sozinha e foi a quase todos os eventos acompanhada do padrinho. Aos poucos, começou a ganhar fama pela falta de articulação em discursos. Coube a Lula agitar as multidões e explicar quem era sua candidata. Dilma foi eleita no segundo turno.
Governo
Num primeiro momento, ela surpreendeu aqueles que temia um governo controlado pelo antecessor. Quando alguns dos seus ministros (escolhidos por Lula) foram acusados de corrupção, Dilma fez uma "faxina" na Esplanada, tratando de demitir os suspeitos. Sua aprovação subiu. A fama de durona se solidificou.
Ainda em 2011, Lula foi diagnosticado com câncer e se afastou do poder. Dilma ganhou então mais espaço para imprimir a sua marca. No entanto, outras características da presidente – a impaciência e o estilo extremamente centralizador – começaram a ficar mais nítidos.
A costura política herdada de Lula, que proporcionava uma base sólida no Congresso, começou a rachar com a falta de interesse da presidente em participar de negociações e articulações. "Acho que pelo fato de ter sido guerrilheira, ministra e depois presidente, ela devia achar uma coisa sem importância ouvir prefeitos do interior e deputados", afirma o deputado Ênio Verri, um dos vice-líderes do PT na Câmara. "Infelizmente, ela não demonstrou a mesma habilidade política de Lula para negociar."
A insatisfação entre os aliados começou a crescer. Em 2013, alguns petistas chegaram a ensaiar um "volta, Lula" e pediram que a presidente desistisse de tentar a reeleição. No final, o próprio Lula desistiu de se candidatar em 2014.
O lado centralizador e controlador de Dilma fez com que praticamente todas as grandes decisões passassem por ela. Já na época de ministra, Dilma delegava pouco. Como presidente, seu círculo decisório era minúsculo e não contava com figuras de outros partidos. Interlocutores revelavam que sua rotina também era solitária. Ao contrário de Lula, tinha poucos amigos. Sua única companhia nos anos de Palácio da Alvorada foi a mãe, Dilma Jane, hoje com 92 anos.
Muitas ações começaram a ser proteladas até que a presidente tomasse uma decisão ou simplesmente arranjasse tempo ou interesse. Ao mesmo tempo, a presidente se encarregava de detalhes inimagináveis para seus antecessores.
Em 2013, mandou instalar um circuito de vídeo em seu gabinete ligado a câmeras de 12 hospitais públicos. Um dia viu que um deles tinha uma goteira. Ligou imediatamente para o ministro da Saúde para que ele resolvesse o problema. "Ela compensava a falta de visão geral se atendo aos detalhes. Não via a floresta, via algumas árvores. E quando era contrariada reagia com raiva e atacava os assessores", afirma Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Wilson Center, em Washington.
Isolamento
Conforme o tempo ia passando, Dilma também passou a frustrar Lula. No início de 2015, o "criador" se queixou a interlocutores de que sua "criatura" não ouvia seus conselhos.
Com pouca experiência em negociações políticas, a presidente fez apostas arriscadas. "Ela não demonstrou conhecimento de como uma coalizão é formada e, sobretudo, mantida", afirma Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga).
Dilma passou a isolar o PMDB, maior parceiro da base, e favorecer siglas recém-criadas, como o PSD e o PROS, considerados mais dóceis. O movimento passou a irritar figuras como Eduardo Cunha (PMDB), que viria a se tornar o seu algoz no impeachment e porta-voz dos deputados insatisfeitos com a presidente.
Quando a Lava Jato estourou, Dilma também fez uma avaliação errada da situação. Segundo ex-aliados, a presidente achou, num primeiro momento, que o escândalo só afetaria a imagem do governo do seu antecessor.
De acordo com especialistas, além da dificuldade para tratar com outros políticos, Dilma também mostrou deficiências em comunicar à população o que pretendia. Em junho de 2013, na onda de protestos que tomou o país, anunciou que queria convocar uma Assembleia Constituinte para reformar o sistema político. Recuou poucas horas depois.
"Em 2014, após as eleições, ela também não explicou à população por que teve que recuar de suas promessas de campanha. Simplesmente começou a fazer um ajuste, sem admitir erros", comenta o cientista político Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen.
Cada vez mais isolada, a presidente acabou afastada do cargo menos por questões jurídicas, mas por não ter mais o apoio de quase ninguém.