Hunsrückisch ganhará atlas
13 de novembro de 2007Um dos principais dialetos alemães do sul do Brasil, o hunsrückisch, ganhará um atlas lingüístico que registrará o estado atual dessa importante variante da língua alemã, falada principalmente no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. O atlas captará variações na pronúncia, a incorporação de termos do português e a criação de novas palavras pelos falantes do dialeto numa região que extrapola as fronteiras do Brasil e abrange parte da Argentina e do Paraguai.
O ambicioso projeto, inédito para línguas minoritárias faladas na América Latina, é realizado por uma equipe de mais de dez pessoas da Universidade de Kiel, na Alemanha, e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e conta com verbas da Fundação Humboldt. O trabalho é orientado pelos professores Harald Thun, de Kiel, e Cléo Altenhofen, da UFRGS.
"O atlas lingüístico é uma documentação do estado atual do dialeto hunsrückisch no sul do Brasil, em cidades da província argentina de Missiones e no Paraguai oriental. E também, mas em segundo plano, do conhecimento do alemão padrão pelos falantes do dialeto", especifica Thun em entrevista à DW-WORLD.
A região pesquisada é um espelho das correntes migratórias dos imigrantes alemães e seus descendentes no sul do Brasil. Ela começa nos municípios gaúchos que fazem parte das chamadas colônias velhas, como São Leopoldo, Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires – que receberam as primeiras levas de colonos alemães – e segue pelas colônias novas, como Santa Rosa e Panambi, na sua maioria fundadas por descendentes desses pioneiros. E vai além, acompanhando o fluxo migratório que tomou o rumo do oeste dos estados de Santa Catarina e do Paraná, da província argentina de Missiones e do Paraguai.
João-de-barro ou matschbauer?
Em mais de 30 localidades dessa extensa região, os pesquisadores submeterão falantes do hunsrückisch a um questionário de 300 perguntas, destinado a descobrir usos e pronúncias de palavras do dialeto. "Há ainda um questionário extra, que não aplicamos a todos os entrevistados, com questões de interesse etnográfico. Por exemplo, como se faz um enterro", explica Thun.
Numa das perguntas, os pesquisadores querem saber do entrevistado como se chama o pássaro que constrói um ninho de barro em forma de forno. "Alguns poderão responder joão-de-barro, mas outros poderão dizer matschbauer", exemplifica o professor, citando uma palavra que não existe no alemão padrão. Por meio de perguntas como essa, os pesquisadores conseguem determinar o estado atual do dialeto numa região.
A criação de palavras alemãs para designar elementos da flora e da fauna brasileira é uma das principais características dos dialetos alemães falados no sul do Brasil. Essa criação se dá tanto pela incorporação de termos do português como pelo processo de composição, muito comum na língua alemã. É a conhecida justaposição de palavras para formar novas palavras, como no caso de matsch (barro) e bauer (construtor), que unidas formam matschbauer.
Outra diferença a ser captada está na pronúncia das palavras. É o caso de barfuss (descalço), que dependendo da região pode também ser pronunciada com um "o" no lugar do "a", como "bórfuss". Ou ei (ovo), cuja pronúncia varia de "ai" – no alemão padrão – a "ói".
Para verificar o quanto o uso do dialeto se mantém através das gerações, os pesquisadores se concentram em dois grupos de entrevistados: entre 18 e 36 anos e acima de 60 anos. Também o grau de escolaridade é levado em consideração. "Queremos ver como se mantém ou não se mantém a língua alemã. É provável que os velhos falem melhor do que jovens", comenta Thun.
O resultado final será o atlas lingüístico com o registro das palavras utilizadas pelos descendentes de alemães da região do Hunsrück. Está também prevista a elaboração de um dicionário comparando o hunsrückisch brasileiro com o dialeto falado no oeste da Alemanha, o português e o alemão padrão. A previsão dos pesquisadores é que o projeto esteja concluído no final de 2010.