Descoberta alemã dá novo impulso ao combate à filariose
27 de março de 2013Cientistas na cidade alemã de Bonn descobriram que, inibindo uma enzima bacteriana, é possível interromper a vida do verme causador da filariose, doença infecciosa que pode levar à elefantíase. A descoberta oferece base para avanços no tratamento, mas os pesquisadores alemães ainda são cautelosos sobre a produção de medicamentos. 160 milhões de pessoas são afetadas pela filariose em todo o mundo.
A equipe de pesquisadores do Instituto LIMES e do Instituto de Microbiologia Médica, Imunologia e Parasitologia, ambos da Universidade de Bonn, constatou que o verme parasita responsável por várias doenças tropicais, entre elas a elefantíase, é dependente de substâncias produzidas por bactérias existentes dentro do próprio verme. O parasita precisa de uma troca metabólica com a bactéria para sobreviver.
Os cientistas obtiveram esse resultado ao procurar uma substância que destruísse o verme parasita sem trazer danos ao paciente. Após testes laboratoriais com 18 mil substâncias chegou-se a um ativo capaz de bloquear a enzima ALAD produzida somente pela bactéria e, com isso, matar o verme. O antibiótico contra a enzima bacteriana já existe no mercado.
"O antibiótico doxiciclina age contra a bactéria Wolbachia impedindo o avanço da doença e, em muitos casos, observamos melhora nos sintomas. Aliás, as bactérias combatidas são co-responsáveis pelos sintomas", disse Achim Hörauf, diretor do Instituto de Microbiologia Médica, Imunologia e Parasitologia do Hospital Universitário de Bonn.
Busca por um medicamento para todos
Kenneth Pfarr, da equipe do Instituto, informa, porém, que a doxiclina sob forma de medicamento é contraindicada para crianças e grávidas. Por isso, a equipe de cientistas em Bonn busca em pesquisas paralelas um outro antibiótico que possa ser ministrado em todos os grupos infectados por filariose.
"O antibiótico coralopironina mostrou que ele pode matar a bactéria Wolbachia e curar uma infecção em ratos. Essa substância deve ser testada no futuro em estudos pré-clínicos e clínicos, para que medicamentos possam ser, então, desenvolvidos", esclarece Pfarr.
O resultado do bloqueio da enzima vital ao verme traz esperança para o tratamento da doença, mas os pesquisadores dizem ser necessário seguir com os estudos até que seja produzido um remédio a partir dessa informação.
"Nossas pesquisas dão uma boa base para encontrar, a longo prazo, substâncias ativas mais poderosas para o tratamento da filariose linfática. Mas a eficácia de um ativo mais potente deve ser ainda testada em ratos, antes que ele esteja apropriado para a fabricação de novos medicamentos. É preciso continuar com as pesquisas", explica Christian Lentz, da equipe do Hospital Universitário.
Metas para eliminar a doença
A filariose é uma enfermidade que atinge o sistema linfático. Seu estágio mais grave, e que pode levar à incapacidade, chama-se elefantíase, quando partes do corpo incham exageradamente e a pele se torna grossa e endurecida.
Pernas e, no caso dos homens, a bolsa escrotal são as áreas mais afetadas. Em casos raros, braços, mamas e vulva também podem ser afetados. A elefantíase ainda não tem cura, apenas tratamento ou cirurgia para atenuar os inchaços. No entanto, se a filariose for diagnosticada no início, é possível curá-la com antibióticos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um programa mundial com a meta de erradicar a filariose como problema de saúde pública até 2020. A estratégia é oferecer tratamento anual preventivo a populações de risco. De acordo com a OMS, há no mundo cerca de 120 milhões de pessoas infectadas e 40 milhões desenvolveram elefantíase. Setenta e dois países tropicais e subtropicais estariam vulneráveis à doença. A Índia e o continente africano registram o maior número de casos.
Abraham Rocha, coordenador geral do Serviço de Referência Nacional em Filariose, informa que no Brasil existem cerca de 49 mil pessoas infectadas no Brasil, conforme divulgado pelo Ministério da Saúde. As cidades de Recife, Belém e Manaus contabilizavam mais casos. Dados da Fiocruz mostram, no entanto, que o número de enfermos caiu bastante nessas capitais.
Recife está inserida na meta da OMS por meio do Programa de Controle e Eliminação da Filariose Linfática. Nele são distribuídos comprimidos que interrompem a transmissão da doença. O tratamento coletivo é feito uma vez ao ano por agentes de saúde, que vão de casa em casa.
Os recifenses foram os primeiros a implantar o programa, em 2003. "Há dez anos Recife era a cidade brasileira da filariose. Hoje, depois da inserção no programa da OMS e trabalho dos agentes, o número de casos caiu significativamente não só em Recife, mas também em Olinda e Jaboatão, onde o programa é igualmente aplicado", diz Rocha, que também é pesquisador da Fiocruz.
Pioneirismo brasileiro
Existem diferentes vermes parasitas que causam a filariose. No Brasil, o mais comum é o Wuchereria bancrofti. Segundo Rocha, os pesquisadores brasileiros foram os primeiros a usar ultrassom para a identificação de vermes dessa espécie nos homens. "Através do ultrassom, nós conseguimos identificar os vermes adultos e vivos nos vasos linfáticos da bolsa escrotal", afirma.
Essa identificação teria, segundo ele, mudado o entendimento científico mundial sobre a filariose, principalmente a forma de elefantíase que provoca o acúmulo de água no órgão sexual masculino. "Antes, pensava-se que o verme entupia os vasos linfáticos, mas verificamos que ele não obstrui, e sim dilata os vasos", esclarece Abraham Rocha.
Considerada doença tropical e de regiões pobres, a filariose é verificada sobretudo onde o saneamento básico é escasso, e seu grau crônico, a elefantíase, está diretamente relacionado à falta de higiene. Pesquisadores da Fiocruz asseguram que medidas simples como limpeza com água e sabão nos membros lesionados poderia prevenir a elefantíase, pois evitaria a proliferação de bactérias.
Segundo Achim Hörauf, da equipe de pesquisadores de Bonn, não há estatísticas oficiais sobre o problema em seu país. "Existem, sim, casos de filariose na Alemanha, e são principalmente de pessoas com histórico de imigração e, em situações mais raras, de pessoas que viajaram para países tropicais. Mas não temos números precisos", reitera.