"Democracia não caiu do céu", lembra ministra no GMF
17 de junho de 2024Na abertura do Global Media Forum (GMF) da DW, o painel formado pela ministra alemã das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, com a Nobel da Paz filipino-americana Maria Ressa e a empreendedora de mídia ugandense Scovia Culton Nakamy, ambas jornalistas, focou no poder da democracia.
As participantes discutiram que processos políticos e sociais seriam necessários para tornar mais resilientes as sociedades e democracias, e como vozes diversas podem se tornar mais visíveis por todo o panorama midiático. "A democracia não caiu do céu", Baerbock recordou ao público, "precisamos protegê-la."
A política do Partido Verde enfatizou que alguns aspectos das sociedades abertas, que se costumava considerar inquestionáveis – como direitos iguais para todos os gêneros, ou ao aborto – estão sendo colocados em questão por certos protagonistas políticos.
"Este é um ano crucial para a democracia", concordou Ressa: 2024 é potencialmente um "ponto de virada" para a ordem internacional baseada em regras, pois "71% do mundo se encontra agora sob regime autoritário; a democracia está resvalando". "Nossa janela de oportunidade para agir está se fechando, mas ainda está lá."
Baerbock, Ressa e Nakamya – que é fundadora do site Her Story Uganda, de jornalismo voltado para a igualdade de gêneros – também falaram sobre o assédio online dirigido especificamente contra mulheres.
Baerbock recordou que antes de se tornar ministra teve que lidar com o assédio sexualizado online. De início, ignorou, pensando que era a única reação possível, mas quando soube como outras mulheres proeminentes sofriam o mesmo tipo de agressão, entendeu quão insidioso era seu efeito. "O parâmetro dos direitos femininos é crucial": se as mulheres estão em perigo, esse é um mau presságio para toda a sociedade."
Compartilhando soluções em tempos sombrios
Realizado anualmente, em 2024 o GMF reúne, a partir desta segunda-feira (17/06) mais de 1.500 líderes políticos e midiáticos, jornalistas, acadêmicos e outros profissionais e protagonistas de todo o mundo. O local é o World Conference Center, na ex-capital Bonn, no oeste da Alemanha.
"Mesmo em tempos sombrios, o otimismo é o melhor caminho, porque em geral pessimistas não contribuem para soluções": com essas palavras, o diretor-geral da DW, Peter Limbourg, abriu o GMF 2024.
Os tempos são, de fato, sombrios: guerras grassam na Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e outros locais; por todo o mundo, regimes autoritários parecem estar avançando – enquanto a democracia se retrai. E com ela, a liberdade de imprensa e de opinião perde campo.
O lema do atual GMF é Sharing solutions – compartilhar soluções. Entre as questões abordadas, estão: como os jornalistas podem cumprir sua missão, apesar dos perigos e da pressão crescente? Como chegar até o máximo de usuários, em suas respectivas sociedades? Como os avanços tecnológicos influenciam a mídia e seu consumo?
"Não é só o mundo digital que transforma o jornalismo: a inteligência artificial [IA] vai agitá-lo ainda mais", afirma Limbourg. Pois as possibilidades de abusar da IA são grandes, como, por exemplo, com imagens e vozes enganosamente realistas.
Em seu discurso na abertura do evento, Baerbock, mencionou a existência de deep fakes que a apresentam como prostituta, comentando: "A IA torna a desinformação mais barata, mais fácil e mais eficaz."
Ressa teve experiências semelhantes: em seu portal online de notícias Rappler, ela bate repetidamente de frente com os poderosos – e sente as consequências. Também ela é vítima de imagens obscenas forjadas. Para vir a Bonn, teve que pedir permissão ao governo.
Combater o cansaço midiático, dar voz a quem acha que não tem
Outros pontos-chave no dia de abertura do GMF 2024 foram o noticiário sobre o voto popular, neste super ano eleitoral, e a correlação entre democracia e mídias. Escutando-se os participantes das diversas rodadas de debates, o quadro resultante é predominantemente negativo.
Justamente graças às redes sociais, é possível contornar a imprensa controlada pelos governos, sobretudo as grandes emissoras. Desse modo, mais gente pode se informar de modo independente e reagir por conta própria.
Por outro lado, a desconfiança em relação à mídia se alastra por toda parte, assim como um fastio para com as informações. Também a participação nas urnas cai em muitos países. A mensagem geral dos debates é: quem atua na mídia precisa estabelecer o contato direto com a gente e seus problemas quotidianos.
Ellen Heinrichs, diretora executiva do Bonn Institute, que se engaja pelo jornalismo construtivo, comenta sobre o esgotamento das notícias ruins: "As pessoas estão sobrecarregadas". Com frequência excessiva, o jornalismo é só o que os políticos dizem, e "nós precisamos de uma diversidade de perspectivas". Mas o jornalismo construtivo não deve ignorar os problemas, e sim também oferecer soluções.
Anant Geonka, diretor da editora de jornais Indian-Express, ressalta que os departamentos de checagem de fatos, como praticamente toda redação tem agora, não são nada de novo: verificar os fatos sempre foi uma tarefa obrigatória para todo meio de comunicação sério e a base da confiabilidade midiática, que é o principal capital do jornalismo.
Adriano Nuvunga dirige em Moçambique o Centro para Democracia e Direitos Humanos. Ele registra democratização em diversas nações da África, mas "os governos não escutam os cidadãos, não representam seus interesses", o que os deixa com a impressão de que a democracia não tem nada a lhes oferecer. Assim, para ele, a função do jornalismo seria dar uma voz a essas pessoas.
"Continuem trabalhando!"
Retornando ao tema inteligência artificial, o diretor-geral Peter Limbourg aconselha empregá-la como instrumento, não como substituto do jornalismo de produção humana: "A IA pode servir de apoio, mas as decisões jornalísticas importantes devem ser sempre tomadas por seres humanos."
De maneira enfática, a Nobel da Paz Maria Ressa reivindica um controle internacional para a IA e as megaempresas por trás dela. Não há muito mais tempo, ressalta: "A janela de oportunidade para agir está se fechando – mas ainda está aberta."
A ministra Baerbock partilha incondicionalmente dessa opinião: "Somos por uma regulamentação internacional da IA. Temos que configurá-la de modo que os seres humanos mantenham o controle." Isso ocorre também em nível europeu, mas para leis é preciso maioria, lembra, rebatendo quem acha que o progresso no assunto vai lento demais.
No entanto, trata-se de uma questão ainda maior do que inteligência artificial e mídia, destaca a chefe da diplomacia alemã: "Como tornar nossas sociedades mais resistentes?" O jornalismo independente é uma pedra de toque de todo sistema democrático: ela chama os poderosos à responsabilidade, enfatiza Baerbock.
Diante dos grandes problemas globais, é inevitável que em algum momento no GMF desponte a pergunta: o que podem fazer os jornalistas para combater as tendências erradas? A resposta de Maria Ressa foi recebida com aplauso retumbante: "Muito simples: continuem trabalhando!"