Deixando-se levar pelo terrorismo
14 de abril de 2006O Conselho da Europa, o vigilante dos direitos humanos do continente europeu, informou que pelo menos um país europeu admitiu ter entregue suspeitos de terrorismo a agentes estrangeiros, violando assim a Convenção Européia de Direitos Humanos.
Sem citar o nome do país, o secretário-geral do Conselho, Terry Davis, declarou que o órgão recebeu "informações oficiais de transferência de indivíduos para autoridades estrangeiras" e que ele está agora "na posição de não mais precisar falar sobre 'possíveis' casos de veredito", referindo-se ao processo em que prisioneiros são transferidos para prisões em um terceiro país, onde sofrem torturas e abusos.
Comenta-se, entretanto, que o país citado por Terry Davis poderia ser a Suécia. Em novembro último, ele havia estipulado um prazo de três meses para que os 46 Estados que integram o Conselho fornecessem informações sobre supostas prisões secretas da CIA para membros da Al Qaeda em território europeu.
Al Qaeda não é sempre Al Qaeda
Ao mesmo tempo, levantam-se as vozes que criticam o inflacionamento do uso do termo Al Qaeda, que hoje tornou-se a síntese do terrorismo internacional, não havendo aí nenhuma diferenciação. A fórmula parece ser fácil: atentados simultâneos a instalações civis é igual a Al Qaeda.
O especialista em terrorismo Guido Steinberg, da Fundação Ciência e Política, admite que "Al Qaeda é um termo freqüentemente usado para o diversificado espectro de militantes islamistas, o que é errado". O especialista exige uma maior distinção, pois Al Qaeda, para ele, é uma organização específica, chefiada por Bin Laden e Al Zawahiri.
Esfacelada desde 2003, a Al Qaeda não seria mais a responsável pelo planejamento e a organização de atentados, tornando-se mais uma fonte ideológica do que executiva. Como nos casos dos atentados em Madri e em Londres, onde a polícia não encontrou provas suficientes de que a Al Qaeda estaria envolvida.
Tanto em Madri como em Londres, os atentados foram muito provavelmente obra de grupos muçulmanos locais, que se apropriam da ideologia do Al Qaeda, mas que agem de forma independente, como o Grupo Islâmico de Combatentes Marroquinos (GICM), na Espanha.
Aumento do racismo
Além disso, para o especialista em política internacional da Universidade de Munique, Cristopher Daase, a luta anti-terrorismo, empreendida pelos Estados Unidos no Iraque, está por demais fixada ao grupo Al Qaeda. Segundo um estudo do Grupo de Crise Internacional, a Al Qaeda do Iraque é somente um grupo entre tantos outros.
Daase declara que "a estratégia americana de fazer uma ligação dos grupos revoltosos iraquianos com o Al Qaeda está errada. Desta forma, não é considerada a componente social dos levantes".
Em entrevista ao jornal Die Zeit, em março último, o cineasta americano Spike Lee afirmou que 99% dos americanos não podem distingüir entre um sikh e um muçulmano. "Eles os chamam simplesmente de cabeças de turbantes. Talibã, Al Qaeda."
O mais recente filme do diretor americano, O Plano Perfeito, denuncia justamente o aumento do racismo nos Estados Unidos após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. O diretor critica que, atualmente, todos os males sociais são enquadrados dentro da problemática da diferença cultural.
Instrumentalização do terrorismo
Desta forma, nem o "Catarina" é o principal responsável pela miséria dos negros norte-americanos, nem o Al Qaeda o principal grupo terrorista mundial, nem os levantes da população iraquiana são simples atos terroristas e sim uma forma de expressar uma insatisfação social.
Entretanto, o "perigo terrorista" não tem sido usado somente para justificar uma espécie de caça às bruxas e contribuir para uma maior alienação quanto aos problemas sociais. Também o aumento do controle sobre o cidadão é um dos seus subprodutos.
Segundo o presidente da Associação dos Encarregados da Proteção de Dados na Alemanha, Hannes Federrath, os órgãos de segurança conseguiram impor uma série de atribuições após o 11 de setembro de 2001, que seriam antes inimagináveis". Ele cita, por exemplo, a introdução do passaporte biométrico na Alemanha, que possui um chip que emite informações do portador por ondas de rádio.
Alexander Dix, encarregado da proteção de dados de Berlim, declara que "os governantes se deixam levar pela ilusão de que quanto mais dados armazenados, maior a segurança. Entretanto, o contrário é verdade. Existe uma tendência para uma sociedade de policiamento", constata Dix.